Divagações: Das Leben der Anderen

A história da Alemanha (antiga ou recente) é marcada por momentos de crueldade. Felizmente, o país tenta evitar as desculpas ou a agressi...

A história da Alemanha (antiga ou recente) é marcada por momentos de crueldade. Felizmente, o país tenta evitar as desculpas ou a agressividade em seu cinema, preferindo refletir sobre os acontecimentos do passado a se martirizar. Realmente, não há melhor maneira para fazer isso que contando histórias.

Das Leben der Anderen, inclusive, é protagonizado por um oficial que acredita no regime socialista implantado na Alemanha Oriental. Ele é fiel aos ideais, desconfia de artistas e chega a dar aulas sobre práticas de tortura, com direito a anotar observações sobre os estudantes que fazem perguntas indevidas. Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) é velho conhecido do tenente Anton Grubitz (Ulrich Tukur) e chega a levantar suspeitas sobre o dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch) antes mesmo do ministro Bruno Hempf (Thomas Thieme) pedir a investigação dele.

A princípio, trata-se de um trabalho de rotina, mas Wiesler descobre que Dreyman realmente não burla as regras vigentes. Na verdade, a investigação contra ele é motivada pelo fato do ministro estar interessado na mulher do escritor, a atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). Indignado com a falta de ética, o correto Wiesler começa a fazer pequenas manipulações nos acontecimentos, que não demoram a sair de seu controle.

Premiado com o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2007, o filme conta uma história triste, mas não quer fazer você chorar. Tenso e envolvente até o último fotograma, Das Leben der Anderen não se preocupa em situar o momento histórico (o muro só irá cair em cinco anos), concentrando-se totalmente na transformação do protagonista.

Na verdade, trata-se de uma jornada solitária e muito interessante, ela é baseada mais em reações a diálogos de outros personagens do que em ações. Durante praticamente todo o tempo, Ulrich Mühe mantém uma expressão fria e fechada, mas é perceptível que há um homem por trás da máscara. A excelência de seu trabalho está nos detalhes e sua humanização é feita aos poucos, o que torna a história mais crível e o aproxima do público.

Sebastian Koch e Martina Gedeck, obviamente, também estão ótimos. Eles vivem um casal apaixonado (mas com alguns problemas) e parecem ter nascido no lugar errado. São artistas feitos para serem livres, mas que aprenderam a viver engaiolados. O relacionamento vigiado dos dois mostra mais amor e dedicação nos sacrifícios que cada um faz sem o outro saber que nas cenas em que vivem juntos.

Vale lembrar que a produção tem roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck que, anteriormente, só havia feito curtas e, depois, tentou a carreira nos Estados Unidos com o péssimo The Tourist. Espero que todo esse talento volte a aparecer em breve, pois quero obras inteligentes e que não precisem apelar para o dramalhão ou para a ação desenfreada.

Das Leben der Anderen é uma obra única e você dificilmente você verá outra coisa assim. É um filme silencioso, mas capaz de dizer muito com um único olhar. Acabando com a verborragia, a obra encontra a poesia da vida a dois, do apartamento pequeno, dos amigos confabulando. Em contraste, a iluminação dos pontos de encontro dos oficiais apresenta um mundo artificial, que simplesmente precisa ser abalado.

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