Divagações: Coup de chance

Eu realmente achei que, beirando os 90 anos e após ser duramente “cancelado”, Woody Allen realmente não faria mais filmes. Mas suponho que ...

Coup de chance
Eu realmente achei que, beirando os 90 anos e após ser duramente “cancelado”, Woody Allen realmente não faria mais filmes. Mas suponho que ele simplesmente não consegue parar. E aqui estamos.

Coup de chance se passa em Paris (majoritariamente), mas traz o mesmo espírito nova-iorquino já conhecido do cineasta. A “tradução” funciona bem, com gente rica sendo fútil, mesquinha e desprezível em qualquer lugar do mundo. Além disso, o ar cosmopolita de ambos os locais realmente permite certa intercambialidade (ainda mais se você, como eu, não é nem de Nova York e nem de Paris).

De qualquer forma, a trama envolve um casal onde cada um encara o mundo de uma forma bem diferente do outro. Jean (Melvil Poupaud) não acredita em sorte, tendo construído tudo ao seu redor cuidadosamente, da carreira ao casamento. Fanny (Lou de Laâge), por sua vez, praticamente navega pela vida, o que trouxe altos e baixos ao longo do percurso e a levou diretamente para os braços de Jean.

Essas duas perspectivas são testadas com a chegada de Alain (Niels Schneider), um escritor sonhador que era apaixonado por Fanny nos tempos de escola e que resolve testar sua sorte quando a encontra na rua, totalmente por acaso (de acordo com ele, pelo menos). Aos poucos, os dois se aproximam romanticamente, mas a infidelidade tem consequências inesperadas – e, de alguma forma, a mãe de Fanny (Valérie Lemercier) se envolve na confusão.

Com isso, Coup de chance mistura decisões morais questionáveis (e, também, muito humanas) com um infeliz encontro de personalidades. Juntando isso ao fato de que dinheiro não é um problema para essas pessoas e que nada parece ter consequências muito graves justamente por conta disso, temos seres humanos desinibidos de amarras.

Dito isso, ainda que a história me agrade, o ritmo da narrativa causou certo estranhamento, com o foco mudando inesperadamente entre os personagens – Fanny é a clara protagonista até certo ponto, mas perde motivação e se torna mais uma em um mar de coadjuvantes. Também senti falta de um desenvolvimento maior para Jean, embora haja algo de interessante em sua metamorfose de homem de negócios competente para vilão desenfreado.

De qualquer modo, os atores conseguem segurar as inconsistências e Coup de chance parece funcionar justamente por não se levar a sério demais. Considerando que se trata de uma espécie de conto sobre a sorte, a produção também explora o azar e consegue lidar bem com esse balanço, mostrando as consequências do inesperado.

Ou seja, este é um típico filme de Woody Allen, que conseguiria uma recepção bem melhor em outros tempos, ainda que nada de alcance estratosférico. Inclusive, é difícil resistir à tentação de dizer que, aqui, o cineasta também é um homem testando a própria sorte. Ao apelar para um cenário europeu, ele encontra uma abertura maior para contar as histórias de sempre e repetir seus temas – com a vantagem de contar com o charme de Paris e da própria língua francesa. Mas seus fantasmas ainda o perseguem e é difícil se desvencilhar completamente.

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