Divagações: Inherent Vice
26.3.15
Existem certas histórias que são especialmente prejudicadas na transição dos livros para as telas do cinema. Afinal de contas, comprimir uma trama complexa e repleta de personagens em um produto coeso com apenas duas ou três horas nem sempre é possível – e, mesmo quando é, nem sempre é exatamente a opção mais viável.
Ainda que não tenha lido a obra original de Thomas Pynchon, sinto que Inherent Vice é exatamente esse tipo de obra, uma montanha russa emocional que exige completa dedicação do leitor em juntar os pontos e acompanhar o passo vertiginoso em que a história se desenvolve. Infelizmente, quando se trata de cinema, o expectador médio das produções hollywoodianas não tem a capacidade de desprender tamanha atenção.
Apresentando uma Los Angeles conturbada e regada a drogas durante o início da década de 1970, Inherent Vice acompanha Larry "Doc" Sportello (Joaquin Phoenix), um detetive particular pouco chegado a sobriedade que passa seus dias procurando pessoas desaparecidas e em conflito com o detetive de polícia local, Christian F. "Bigfoot" Bjornsen (Josh Brolin). Tudo muda quando sua ex-namorada, Shasta Fay Hepworth (Katherine Waterston) o procura para alertar sobre o sequestro de seu atual namorado, o milionário Michael Wolfmann (Eric Roberts), colocando Doc no meio de uma complicada conspiração envolvendo o governo estadunidense, cartéis chineses, neonazistas, grupos extremistas e agentes infiltrados.
Com uma dezena de personagens e uma trama que a primeira vista parece uma grande bagunça, Inherent Vice talvez seja a obra mais polarizante de Paul Thomas Anderson. Não tiro a razão de quem a considera inferior aos demais trabalhos do cineasta, afinal, trata-se de uma trama consideravelmente impenetrável para quem está acostumado com uma narrativa tradicional. Com um passo mais orgânico e intuitivo, que foge das estruturas clássicas de roteiroa produção é uma corrida por um labirinto cheio de becos sem saídas e caminhos que não chegam a lugar algum, mas que acaba fazendo muito mais sentido se observarmos o panorama geral.
Muito do resultado favorável é devido ao competente trabalho técnico de ambientação, que recria sem grandes exageros os tempos lisérgicos e agitados no quais o filme se passa, tal como pelo bom elenco que abraçou completamente a ideia da obra. Joaquin Phoenix e Josh Brolin se destacam nesse processo, apresentando personagens que são opostos mas que em um olhar mais profundo se mostram altamente complementares, sendo a relação entre ambos o ponto de ligação que dá sentido à trama.
Porém, nem tudo são flores. Inherent Vice se mostra muitas vezes demasiadamente longo e arrastado, sendo que as suas duas horas e meia são excessivas, sobretudo para quem já não consegue mais acompanhar o desenrolar da história. O filme também falha em consolidar um tom específico, transitando entre uma comédia aos moldes de The Big Lebowski e um filme de detetive com influências noir, sem criar uma transição harmoniosa entre os dois temas. Talvez a produção se beneficiasse de um humor mais abrangente e não tão focado no aspecto satírico ao estilo de vida dos hippies de doidões da década de 1960, algo enfatizado pela narração de Sortilège (Joanna Newsom) que, mesmo ajudando na composição do cenário, não acrescenta muito em termos de história.
De todo modo, não há como não dizer que Inherent Vice não seja um filme complicado e que demanda um pouco de esforço para ser aproveitado, o que pode afastar quem procura uma obra um pouco mais direta. Para os que perduram na empreitada, este pode ser um filme bastante recompensador, assim, por mais que esta tenha sido uma história particularmente hostil para se transpor ao cinema, pelo menos não podemos acusar Paul Thomas Anderson de não ter tentado. Infelizmente, os gritos de insatisfação do público confuso talvez mostrem que o vício inerente de Hollywood seja justamente querer tudo mastigado.
Outras divagações:
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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