Divagações: Everest

Existem filmes que se orgulham de seu potencial inspirador, sua capacidade de nos deixar com aquela pontinha de vontade de sair pelo mund...

Existem filmes que se orgulham de seu potencial inspirador, sua capacidade de nos deixar com aquela pontinha de vontade de sair pelo mundo fazendo coisas grandiosas e apreciando a majestade da natureza. Mas Everest não é um desses filmes. Pelo contrário, depois dele, a minha vontade é de nunca mais chegar perto de uma montanha.

Bem, não é como se eu esperasse algo diferente do filme, dirigido pelo pouco conhecido islandês Baltasar Kormákur e baseado em fatos reais. Aliás, espero que ninguém vá ao cinema imaginando que se trata de uma história feliz e animadora sobre uma excursão bem-sucedida ao topo da maior montanha do mundo.

Tudo se passa em 1996, época em que a exploração comercial do turismo de aventura estava em alta. Muito disso é devido a Rob Hall (Jason Clarke), um neozelandês responsável por popularizar excursões de alpinistas aos maiores picos do mundo, e que retorna com mais uma expedição para tentar alcançar o topo do Everest. Formado por alpinistas dos mais diversos níveis, como Beck Weathers (Josh Brolin), Doug Hansen (John Hawkes) e Yasuko Namba (Naoko Mori), o grupo se depara com as dificuldades e os perigos em chegar ao topo da maior montanha da Terra.

Dito isso, Everest não se preocupa muito em mostrar uma história positiva ou pintar alguém como um herói. Na verdade, as decisões questionáveis dos protagonistas são apenas mostradas como o resultado de uma longa cadeia de problemas causados por uma força da natureza muito acima do controle de qualquer um. É exatamente nisso que o filme acerta em cheio – um senso de tensão constante e de uma catástrofe eminente a quais os personagens estão submetidos.

O sentimento é potencializado pelos ótimos visuais e pela fotografia competente que consegue demonstrar muito bem a grandiosidade da montanha, sendo um dos poucos filmes que consegue justificar sua exibição em 3D no Imax sem apelar para truques baratos que não acrescentam nada a linguagem narrativa. Desde Gravity, eu não havia visto outro filme que conseguisse este mesmo efeito, onde a escala é fundamental para mostrar o quão vulnerável é o ser humano em situações extremas. Aqui, a montanha acaba se transformando em uma entidade por si só.

Infelizmente, é justamente este enfoque que torna boa parte dos personagens desinteressantes e pouco explorados. As motivações e histórias de cada um dos integrantes do grupo são pouquíssimo trabalhadas, existindo apenas algumas informações de fundo que não explicam e nem convencem o expectador de que aquelas pessoas precisariam estar arriscando suas vidas deste modo. Ainda que este assunto seja reconhecido pelo filme, não existe um trabalho sobre os porquês daquelas pessoas estarem envolvidas em uma tarefa monumental como esta.

Como falei, não existem heróis. Porém, isso não quer dizer que não dê para se frustrar com a teimosia e a falta de bom senso dos personagens – ainda que isso possa ser uma representação crível das atitudes tomadas pelos indivíduos retratados no filme. Ao menos no cinema, poderíamos exigir um pouco mais de exposição para as grandes massas que, como eu, além de não entenderem nada de alpinismo, também não entendem os alpinistas.

Assim sendo, dá para se dizer que Everest se sustenta bem como um suspense, mas deixa a desejar nas partes dramáticas, tanto pela ausência de empatia pelos protagonistas, quanto pela ausência de qualquer retorno emocional ou realização catártica por parte dos expectadores. O que sobra é apenas um desconfortável senso de fragilidade, lembrando-nos que, de vez em quando, existem coisas que ninguém pode superar, ainda que isso não vá impedir as pessoas de continuarem tentando. Essa é a natureza humana, afinal de contas, não é?

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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