Divagações: Nightcrawler
10.9.15
Quando um roteirista estreia na cadeira de diretor, ele pode simplesmente ceder às pressões do estúdio e do elenco e fazer a obra mais sem graça de sua carreira – ou ele pode efetivamente assumir as rédeas e realizar o filme que sempre quis, enfrentando os riscos de seu próprio texto e dando comandos firmes aos atores. Dan Gilroy sabia muito bem o que estava fazendo quando pegou para si a direção de Nightcrawler.
Por mais que o filme seja sempre lembrado por seu roteiro e pela atuação de Jake Gyllenhaal, ele não seria o mesmo sem o trabalho de direção com a assinatura do roteirista. Gilroy conseguiu absorver o que seu elenco trouxe de melhor, incluindo o conceito de coiote que seu protagonista levou tão a sério e a imersão de coadjuvantes Riz Ahmed, que conviveu com os verdadeiros ‘nightcrawlers’ para o papel. Além disso, suponho que o casamento de mais de 20 anos com Rene Russo também ajudou na sutileza da performance da atriz.
Nightcrawler conta a trajetória profissional de Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) como cinegrafista de acidentes, desastres e crimes durante as madrugadas de Los Angeles. A princípio, ele é apenas um vigarista, um ladrão, que percebe uma oportunidade. Mas ele é mais do que isso: é um homem inteligente, manipulador e estudioso, que quer sair bem de qualquer situação – sempre. E ele força a barra, ignora policiais, entra em cenas de crime e consegue os ângulos mais chocantes possíveis. Ao seu lado estão Rick (Riz Ahmed), o ingênuo assistente e navegador que precisa muito desse emprego, e a produtora de televisão Nina Romina (Rene Russo), sedenta por sangue e com uma carreira em franca decadência.
Ou seja, esse não é um filme sobre pessoas legais. Em um trabalho sujo, cansativo e humilhante, o protagonista quer redefinir relações de poder e crescer com base na aposta de que quanto mais sangue mostrar, melhor. E o público? É apenas uma massa ignorante que liga a TV todas as manhãs para encontrar assuntos chocantes que irá comentar ao longo do dia com os colegas de trabalho.
O mais interessante é que Louis Bloom é, aparentemente, o líder perfeito. Ele faz cursos online e sabe jogar muito bem com os jargões e as porcentagens que recebe, tanto do ramo de negócios quanto, com o decorrer do filme, da comunicação, da economia local e da carreira dos colegas. O filme poderia ser sobre um bom profissional que cresce na carreira com inteligência, mas ele é sobre uma péssima pessoa que escala seu caminho com base em frieza, manipulação e falta de ética. Nightcrawler é uma visão incômoda do funcionário proativo, que adquire um poder fora de controle.
Na verdade, esse é justamente o maior poder do filme. Todos os personagens (e não me refiro apenas aos principais) poderiam ser pessoas ‘boas’ e bem sucedidas. Contudo, elas se encontram em situações nada favoráveis e acabam optando por caminhos com os quais muitas vezes discordam. Com a exceção do protagonista – que passa a ser quem puxa os fios – todos acabam, de uma forma ou de outra, envolvidos com a sujeira, mesmo aqueles que, nas primeiras cenas, não querem mostrar uma vítima agonizante filmada de perto.
Envolvente e assustador ao mesmo tempo, Nightcrawler mostra um mundo próximo demais para que não tenhamos medo e distante o suficiente para que coloquemos a culpa em outros (a responsabilidade é toda da mídia!). É real demais para ser um filme de terror, mas fantasioso o suficiente para passar por um suspense (esse protagonista só pode ser um doente!). Espero que o caráter barato e discreto da produção e de seu marketing não permita que o filme seja esquecido tão cedo. É uma obra na medida certa, digna de um cineasta que ainda tem muito a oferecer.
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