Divagações: Sausage Party

Ao menos aqui no ocidente, uma animação ainda é muito ligada a produtos infantis ou para a família. Não existe uma real tradição em animaçõ...

Ao menos aqui no ocidente, uma animação ainda é muito ligada a produtos infantis ou para a família. Não existe uma real tradição em animações voltadas para o público adulto e, quando uma ou outra obra se arrisca nessa toada, geralmente é muito mais pelo valor de choque do que por qualquer decisão artística. Com Sausage Party o caso não é lá muito diferente, pois mesmo abordando alguns temas de maneira surpreendentemente madura (isso é, para uma comédia escatológica), no final acaba derrapando nas tentativas incessantes de parecer polêmico ou chocante.

Satirizando o estilo da Pixar, o filme mostra um universo em que as comidas são sencientes. Elas passam seus dias em um mercado esperando que seus deuses, os humanos, os levem embora para o paraíso. Frank (Seth Rogen/Guilherme Briggs) é uma salsicha que aguarda ansiosamente a sua vez de rumar a terra prometida, onde poderá consumar o seu amor com Brenda (Kristen Wiig/Fernanda Baronne), um pão de cachorro quente. Mas uma confusão os tira de seu caminho e eles, na companhia de outros alimentos desgarrados, buscam voltar para suas prateleiras. O problema é que essa jornada poderá colocar o grupo frente a uma indesejável verdade: seus deuses não são lá muito benevolentes e o paraíso pode não ser real.

Com uma qualidade de animação mediana – mas que cumpre seu papel e tem uma estética bem própria –, Sausage Party não tem lá muitos pontos de atração senão o seu pretenso teor adulto, o que significa muitos palavrões, referências sexuais, drogas e escatologia. Ironicamente, é essa afobação de se mostrar como “algo para adultos“ o que mais mina a produção e a torna pueril.

As alfinetadas do filme em questões religiosas, raciais e culturais são até que bem boladas – incluindo aí alguns dos melhores personagens do filme, um bagel judeu, Sammy (basicamente Edward Norton imitando Woody Allen) e um pão árabe, Lavash (David Krumholtz). Mas a necessidade de preencher todas as cenas com um humor ‘marrom’ acaba subtraindo um pouco das qualidades do filme e o marcando mais como um besteirol para maconheiros, como acontece com outros filmes da dupla Seth Rogen e Evan Goldberg (ambos são roteiristas e produtores por aqui).

Isso é uma pena, pois o filme tinha muito potencial para satirizar e cutucar certas feridas, o que foi perdido em troca de um valor de choque que acaba sendo inócuo para quem não tem tanta frescura com conteúdos ‘polêmicos’. Para completar, Sausage Party também inclui um roteiro meio desencontrado, um ‘vilão’ completamente desnecessário e um final que poderia ser bom, mas que acaba pela metade.

O humor, que deveria ser o ponto forte, parece sempre um pouco fora de timing e de modo meio truncado não ajuda muito. Porém, não sei se essa é uma crítica que vale inteiramente para a versão original do filme ou se ela tem mais a ver com a dublagem que Sausage Party recebeu por aqui. Dublagem essa que merece um parágrafo a parte. Ainda que ache a iniciativa de dublar um filme como esse completamente desnecessária – pois apenas remete àquela ideia de que animação é coisa para criança –, ao menos não houveram muitas concessões no que diz respeito ao teor do filme, que recebeu uma adaptação aos moldes de coisas que vemos no Adult Swim. Menos mal.

Aliás, a presença dos humoristas do Porta dos Fundos na equipe de dublagem poderia ser catastrófica, mas até que eles se viraram relativamente bem e ninguém chega a atrapalhar o resultado final – ao menos no que diz respeito à técnica. Já que no caso do texto o buraco pode ser mais embaixo, uma vez que ficaram bem perceptíveis as piadas que só fazem sentido em inglês e também algumas adaptações desnecessárias.

Sausage Party é um filme meio estranho que tem potencial para ser completamente polarizante e, dependendo do seu senso de humor, existe tanto a chance de você gostar quanto de detestar o filme. Há coisas legais e a iniciativa de fazer uma animação mais adulta para os cinemas é louvável, porém, as piadas soam excessivamente juvenis, o filme é gratuitamente ofensivo (pegando um pouco pesado em estereótipos raciais) e, no geral, não entrega o prometido. Existem momentos engraçados aqui e ali, algumas referências bem legais e uma crítica central que me pareceu bastante pertinente, mas elas se perdem no mar de besteirol que é o resto do filme.

Outras divagações:
Monsters vs. Aliens

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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