Divagações: The Laundromat

Steven Soderbergh é um sujeito curioso. Ele anunciou sua aposentadoria do cinema em 2011 , mas continuou trabalhando em projetos já em an...

Steven Soderbergh é um sujeito curioso. Ele anunciou sua aposentadoria do cinema em 2011, mas continuou trabalhando em projetos já em andamento. A princípio, seu último projeto como diretor seria Behind the Candelabra, em 2013. Porém, ele retomou a carreira pouco tempo depois e, em 2017, lançou Logan Lucky. Desde então, ele parece comprometido em fazer apenas aquilo que tem vontade, como fica claro em seu envolvimento em um projeto como The Laundromat – para o qual, ele conseguiu um elenco memorável.

O filme não tem uma narrativa muito comum. Ele é narrado por dois de seus personagens – Jürgen Mossack (Gary Oldman) e Ramón Fonseca (Antonio Banderas) –, que olham diretamente para a câmera e demoram um pouco para realmente aparecerem na história. Na maior parte do tempo, inclusive, eles têm uma função quase didática, explicando como funcionam esquemas de lavagem de dinheiro e evasão fiscal, também demonstrando como (até certo ponto), essas coisas funcionam de uma maneira perfeitamente legal.

Para ilustrar como isso afeta a vida das pessoas comuns, o filme segue algumas histórias paralelas. A principal delas envolve Ellen Martin (Meryl Streep), uma senhora que se torna viúva após um acidente de barco, mas que não consegue receber uma indenização porque a empresa de seguros contratada é apenas uma fachada. Outro segmento, por exemplo, traz Charles (Nonso Anozie), um homem que tenta subornar a própria filha quando ela descobre que ele tem um relacionamento extraconjugal.

Com um tom cômico – mas sempre falando de coisas sérias –, The Laundromat não esconde que está defendendo um ponto. O filme tenta explicar como funciona uma complexa estrutura de empresas de fachada (shell corporations), controladas por fundos e utilizadas para evasão fiscal, lavagem de dinheiro ou simplesmente para trazer anonimato em ações corporativas. A princípio, elas não fazem mal para ninguém, mas a “segurança” proporcionada por elas leva a todo tipo de atos maliciosos e outras consequências ao longo do filme.

Para completar, esse tipo de estrutura conta com o apoio de diversos governos e cria redes globais de corrupção. No caso dos brasileiros, há aquela já conhecida sensação de vergonha nacional quando o nome Odebrecht entra em jogo. Para mim, especialmente, foi esse o momento em que realmente caiu a ficha sobre o impacto de tudo o que estava sendo mostrado na tela. Todo o episódio com a construtora e as implicações políticas e sociais ainda estão bem frescos na minha memória e parecem mais palpáveis do que a história de uma senhora viúva nos Estados Unidos.

De maneira geral, os acontecimentos retratados em The Laundromat são baseados no escândalo que ficou mundialmente conhecido como Panama Papers, quando um vazamento de informações revelou detalhes de mais de 214 mil empresas localizadas em paraísos fiscais, incluindo as identidades dos acionistas. Um dos roteiristas do filme, Scott Z. Burns, inclusive, teve a oportunidade de entrevistar os verdadeiros Jürgen Mossack e Ramón Fonseca.

No final das contas, o longa-metragem consegue chamar atenção e passar sua mensagem de maneira eficiente por meio do tom do filme, da narração feita pelos próprios atores, da fotografia com aspecto forçadamente artificial, da montagem cheias de idas e vindas e até por conta do encerramento com ares teatrais. O problema é como isso é absorvido pelo público.

Afinal, ao mesmo tempo, tudo isso também atrapalha um pouco a missão de fazer com que a gravidade da situação seja efetivamente considerada, dando um ar panfletário e até mesmo conspiracionista para a produção – além da sensação de que ninguém está levando o assunto realmente a sério. As histórias paralelas, que poderiam criar uma sensação maior de empatia, por exemplo, são muitas vezes trazidas de forma cômica e soam como coisas distantes.

Dito isso, vale a pena recalibrar as expectativas e dar uma chance a The Laundromat. Não é sempre que vemos um filme tão obviamente posicionado politicamente.

Outras divagações:
Che: Part Two
The Informant!
Contagion
Magic Mike
Behind the Candelabra
Logan Lucky

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