Divagações: The Master

Paul Thomas Anderson é o tipo de cineasta que produz obras incríveis, visualmente bonitas e que pedem por uma capacidade de compreensão ...

Paul Thomas Anderson é o tipo de cineasta que produz obras incríveis, visualmente bonitas e que pedem por uma capacidade de compreensão sempre um pouco além daquilo que um indivíduo é capaz. Depois da sessão, é preciso ler críticas, conversar com os amigos e perceber que cada um captou algo diferente. Aos poucos e a partir do que todos compreenderam, se torna possível montar um quadro – momento em que o curioso sente a vontade de rever e procurar um pouco mais. Sempre é possível ir mais fundo.

The Master consegue provocar esse efeito não por tratar de crenças ou religião, mas por mostrar pessoas e a estranha relação entre elas. Nenhum casal parece fazer sentido e a relação entre os protagonistas também é um mistério. Ainda assim, é simplesmente natural que eles estejam juntos. Todos se complementam. Uns mostram o que os companheiros tentam segurar, outros mantêm a ordem nos momentos de loucura e alguns exibem o que os outros querem ver.

Logo no começo somos apresentados a Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um soldado que acabou de voltar da II Guerra Mundial. Perturbado psicologicamente, ele deixa sua jovem amada enquanto parte em busca de algo a mais. Pulando de emprego em emprego, acaba mergulhado no álcool das perigosas bebidas caseiras que ele mesmo produz. Um dia, depois de uma experiência desagradável, Quell acorda no barco comandado por Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder de uma seita chamada A Causa. Embora seja descrente a princípio, ele sente gratidão e passa a se comportar como um cão de guarda mal treinado.

Esse elemento estranho acaba expondo as dinâmicas existentes no grupo, de modo que todos vão de encontro as suas verdadeiras crenças, incluindo a jovem esposa de Dodd, Peggy (Amy Adams) e seu filho Val (Jesse Plemons). Adotado como parte da família e do grupo religioso, Quell precisa ser aceito e convertido, ainda que não demonstre vocação para tanto nem compreenda os métodos utilizados.

Filmado em 65mm e sofrendo poucos processos químicos, The Master possui uma alta qualidade de imagem vida diretamente da película. Quando é exibido em 70mm (uma vez que o padrão são 35mm), isso dá ao filme um aspecto quente, que entra em contraste com a própria história que está sendo contada e com o extremo rigor de angulação de câmera. Ao mesmo tempo, isso também garante ao filme um aspecto mais humano. Por mais que a crença dos personagens diga que eles devem se afastar de seus instintos animais, eles estão lá. É algo além do que transparece à primeira vista.

Perfeito tecnicamente, o filme perderia muitas de suas dimensões com o elenco errado. Joaquin Phoenix nunca esteve tão exposto (nem mesmo em I’m Still Here) e tão expressivo; cada marca em seu rosto representa sofrimento e loucura. Já Philip Seymour Hoffman demonstra mais uma vez sua versatilidade como ator. Em The Master, ele encanta, engana, comove, convence, reúne e dispersa, enfim, demonstra que, se quisesse, poderia também manipular você. Por fim, mas não menos importante, Amy Adams é a responsável por manter o filme coeso. É ela quem nos faz acreditar que A Causa é uma religião real, que as pessoas têm fé naquilo que eles estão fazendo. De certa forma, são personagens calculados para um conflito óbvio, mas isso nunca chega exatamente a acontecer.

Questionando a própria natureza humana, The Master tangencia diversos tópicos – fé, vícios, amor, casamento, homossexualidade, carisma, violência, sanidade, loucura. Dessa forma, é possível enxergar aquilo que se procura (ou que se nega) sem esgotar as possibilidades. É um filme bonito, mas difícil de assistir. Não digo que seja necessário ‘estar pronto’, mas é preciso encarar de frente o que está prestes a acontecer na frente dos seus olhos.

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