Divagações: Chappie
14.4.15
Existem poucos diretores por aí que exibem uma paixão tão genuína por um gênero como Neill Blomkamp. Da sua estreia como protégé de Peter Jackson em District 9 até sua obra mais recente, Chappie, Blomkamp vem insistindo em tornar o sci-fi um produto mais crítico e próximo de nossa visão contemporânea de sociedade, afastando-o do descrédito e do escapismo ao qual é historicamente associado. Ainda que muitas vezes o resultado fique aquém do desejado, levantando algumas críticas a respeito da falta de sutileza no subtexto proposto pelo diretor, não há quem possa acusar Blomkamp de não tentar genuinamente entregar algo de interessante em seus filmes.
Depois da recepção morna de Elysium, ele volta às familiares ruas de Johanesburgo com Chappie, uma fábula futurística sobre um robô que subitamente se vê dotado de consciência e é forçado a descobrir o mundo em circunstâncias não muito favoráveis. Desenvolvido por Deon Wilson (Dev Patel), um gênio da robótica em ascenção, Chappie (Sharlto Copley), um robô policial modificado, acaba caindo nas mãos de uma gangue de criminosos (interpretados por Ninja e Yo-Landi Visser, da dupla de rap/rave sul africana Die Antwoord, que também está presente na trilha sonora do filme), que planeja utiliza-lo em um grande assalto. A situação acaba chamando atenção de Vincent Moore (Hugh Jackman), um engenheiro rival de Deon que vê nela a oportunidade de promover o seu grande projeto, um robô bélico controlado mentalmente.
Ao contrário dos seus antecessores espirituais que trabalhavam sobre comentários sociais, Chappie é quase todo sobre questões metafísicas, como a materialidade da consciência e a precedência de uma essência a existência. Infelizmente, ao lidar com questões menos materiais, o filme esbarra em todo o tipo de problema de execução, mostrando-se inconsistente filosoficamente e cientificamente em diversos momentos, sendo o final especialmente incômodo para quem tenta levar estes temas a sério.
Porém, não sei se essa é exatamente a intenção, já que o filme inteiro é preenchido de um senso de autoparódia, afastando qualquer tentativa do público de considerar suas temáticas de maneira definitiva. Essa impressão é amplificada pela estética empregada no filme, que adota fortemente elementos do Zef, um movimento de contracultura das periferias sul-africanas justamente propagado pelo Die Antwoord, sendo que seus motivos satíricos e seus visuais inspirados na arte e no caos urbano são uma grande inspiração para o design do filme.
Ainda que surpreendentemente bem intencionado, o longa-metragem é vítima de uma série de decisões técnicas questionáveis. Seu roteiro é dois terços RoboCop de Paul Verhoeven e um terço RoboCop de José Padilha, inclusive se utilizando de recursos narrativos bem similares ao filme de 2014. Se não bastasse o roteiro excessivamente similar, até mesmo os visuais acabam sendo um pouco derivados, sendo o robô criado pelo personagem de Hugh Jackman quase que uma cópia do clássico ED-209. Ao menos nestes casos, transparece o talento da equipe de efeitos especiais, que consegue injetar uma boa dose de personalidade nos robôs e torná-los especialmente críveis e interessantes.
Falando nisso, apesar de Chappie se mostrar como um personagem surpreendentemente empático, o mesmo não ocorre com o resto do elenco, que na maior parte do filme é pouco consistente e não consegue dar a credibilidade necessária para o roteiro, amplificando as inconsistências já existentes. Aliás, esse é justamente o tipo de filme no qual boa parte dos problemas seriam completamente evitáveis se os personagens agissem de modo mais sensato. Isso é especialmente doloroso se pensarmos que muitos dos erros vêm de empresários e cientistas, não dos marginais e bandidos retratados no filme.
No final das contas, este é um filme com boas ideias, uma ambientação interessante e que tenta realmente ser algo bom, mas que não chega exatamente lá por tentar abraçar coisas demais e não se decidir exatamente no que quer ser. Se você vai ao cinema esperando um filme de ação, como alguns materiais promocionais davam a entender, certamente Chappie não atingirá as suas expectativas. Porém, para mim, o filme vale ser visto de cabeça aberta, já que tenta fugir da mesmice ao mostrar um jeito de fazer cinema um pouco diferente do que estamos acostumados a ver no grande circuito.
Outras divagações:
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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