Divagações: Sennen joyû
9.5.13
Dizem que o primeiro filme do diretor e roteirista Satoshi Kon, Perfect Blue, estava previsto para ser feito com atores, mas se tornou uma animação para diminuir os custos de produção. Tenho a leve sensação de que isso poderia também ter acontecido com Sennen joyû, embora a técnica tenha vindo muito bem a calhar com o tipo de narração escolhida. O que poderia ter um efeito cômico se fosse realizado de outra forma, aqui ajuda a contar a história e desenvolve a relação entre os personagens.
O filme conta a história de uma idosa e reclusa atriz, Chiyoko Fujiwara (Miyoko Shôji). Procurada por um repórter e seu cameraman – Genya Tachibana (Shôzô Iizuka) e Kyoji Ida (Masaya Onosaka) –, ela resolve contar a história de sua vida. Quando jovem (dublada por Fumiko Orikasa), ela foi descoberta por um produtor e ingressou na carreira contra a vontade da mãe (Hisako Kyôda), pois achava que assim poderia estar mais próxima de seu grande amor, um pintor e procurado político que foge da polícia (Kôichi Yamadera). Com o passar do tempo, sua carreira e sua busca se entrelaçam, até que, já adulta (dublada por Mami Koyama), ela decide abandonar a vida de atriz.
Por mais que a história de Sennen joyû seja simples e não traga grandes surpresas, a narrativa é instigante e prende a atenção, envolvendo o espectador com a busca da protagonista por seu sonho. No começo, o repórter parece ser apenas um fã, mas sua presença se torna cada vez mais relevante no decorrer do filme.
Além disso, cada sequência traz o uso de novas técnicas, mostrando todo o carinho da produção. Ao invés de usar computação gráfica, foram utilizados efeitos de iluminação diversos para tornar críveis os trechos de filmes antigos mostrados. A película passou por processos químicos diferenciados, valorizando a aparência que teriam se fossem efetivamente reais. Outro destaque vai para o envelhecimento sutil e discreto da personagem principal, que se transforma de menina a adulta no decorrer do filme, mas sem mudanças bruscas.
O filme também é uma homenagem ao próprio cinema japonês. O próprio Satoshi Kon admitiu ter referenciado o trabalho das atrizes Setsuko Hara e Hideko Takamine, além dos filmes de Akira Kurosawa. Contudo, ele sempre pareceu preocupado em afirmar que existia uma preocupação em universalizar os personagens. Ainda que a história aconteça no Japão e essa cultura esteja presente de muitas formas, isso não impede que pessoas de outros lugares possam se identificar e encontrar paralelos.
Lançado em festivais em 2001, Sennen joyû começou sua trajetória comercial no ano seguinte e teve um lançamento limitado nos Estados Unidos em 2003, época em que Finding Nemo conquistava corações e muitos declaravam o fim da animação tradicional. É estranho tentar comparar os dois filmes, ambos muito bons, mas com dimensões absolutamente diferentes.
Enquanto a produção americana deslumbra com suas cores fortes, diverte com seu humor acentuado e emociona com um tema universal, o filme japonês é delicado em seus traços, foca em um drama e apresenta uma história de amor complicada. Pode-se dizer que o público-alvo seja diferente – o que não é mentira –, mas acredito que isso é um exemplo de como o cinema apresenta infinitas possibilidades, sendo essa apenas uma pequena amostra dessa abrangência.
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