Divagações: Colossal
27.4.17
Como Godzilla já nos mostrou no longínquo ano de 1954, monstros gigantes, às vezes, são apenas metáforas – quer seja sobre a relação do homem com a natureza ou sobre a ameaça nuclear. O monstro apenas corporifica temores e dilemas.
Colossal leva essa ideia do monstro como alegoria muito a sério. Mas, nesse caso, o filme tenta dar um caráter muito mais pessoal e pontual a um tema que, por motivos muito aparentes, geralmente se referia a questões maiores da humanidade. Interessante, mas potencialmente arriscado.
Depois de um ano de desemprego e de problemas com a bebida, a nova-iorquina Gloria (Anne Hathaway) é expulsa de casa por seu namorado Joel (Austin Stowell), sendo forçada a voltar para a casa dos pais e repensar a vida. Em sua pequena cidade natal, ela encontra Oscar (Jason Sudeikis), um amigo de infância e dono de um bar, e vai tentando reconstruir a sua vida como pode – isso é, até que um misterioso monstro gigante aparece em Seul, colocando o mundo todo em pânico. Não demora para que Gloria perceba que ela e o monstro tem uma estranha relação, o que pode mudar completamente sua vida.
De modo geral, Colossal é um filme que consegue (com considerável sucesso) transitar entre gêneros de modo harmônico. Em boa parte do tempo, é uma dramédia fundada no velho tema do "retorno à cidade natal após desilusão com a vida nas grandes metrópoles", conseguindo se tornar mais tematicamente leve e mais pesado conforme a necessidade. Já as partes com o monstro, mesmo representando apenas uma pequena parcela do filme, não subtraem nada do andamento, pontuando bem os momentos de transição e desenvolvimento da trama.
Isso funciona porque, como já foi estabelecido, o monstro é uma alegoria e uma ferramenta narrativa para falar sobre alcoolismo, relacionamentos abusivos, irresponsabilidade e autodestruição – e isso não é exatamente sutil. As intenções são bem claras, mas, ainda assim, o filme acaba soando como uma maneira interessante de abordar esses elementos (ao menos em sua intenção).
O roteiro é bom, com sacadas interessantes e é acompanhado de atuações bem orgânicas e que compõem bem o panorama retratado. Anne Hathaway está bem ok e Jason Sudeikis rouba a cena com uma performance densa e cheia de camadas. Acredito que, se o nível se mantivesse pela integridade do filme, o resultado seria algo agradável e capaz de levantar algumas reflexões. O problema é que Colossal se perde em sua mensagem, abordando problemas sérios de um modo que, ao meu ver, é completamente incorreto e até mesmo perigoso.
O que temos no filme são pessoas com problemas e condições psicológicas que precisam de ajuda profissional, algo que não se limita apenas à protagonista. Porém, em vez de tratar isso com a sensibilidade necessária, o filme vilaniza certas atitudes e, até certo ponto, justifica o uso de violência por entender que quem não tem a ‘força necessária’ para superar essas questões é uma pessoa ruim. O exemplo mais complicado desse comportamento é ver que o filme sai do seu caminho – inclusive incluindo diálogos que soam destoantes do que um personagem apresentou até o momento – para justificar um fim trágico.
O último ato, sobretudo, é o que mais mina os esforços do filme, quebrando as caracterizações dos personagens, apresentando um desfecho que não é muito satisfatório e que soa meio descolado da lógica da produção apresentada até então. É o típico caso de um final ruim que azeda tudo que o foi apresentado anteriormente, reinterpretando o filme do pior modo possível. Falta nuance e desenvolvimento, uma cola que deixa tudo prestes a desmoronar.
É uma pena. Colossal tem um grande potencial desperdiçado, mostrando que o diretor e roteirista Nacho Vigalondo – em sua estreia no grande circuito hollywoodiano –, ainda tem muito o que aprender e a refinar em sua arte. As intenções são boas e muitos elementos que estão no longa-metragem funcionam, mas falta a harmonia necessária para que o filme realmente chegue lá. Do jeito que está, nem meu amor por monstros e robôs gigantes me fizeram ser capaz de ver através dos tropeços e problemas de Colossal.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Colossal leva essa ideia do monstro como alegoria muito a sério. Mas, nesse caso, o filme tenta dar um caráter muito mais pessoal e pontual a um tema que, por motivos muito aparentes, geralmente se referia a questões maiores da humanidade. Interessante, mas potencialmente arriscado.
Depois de um ano de desemprego e de problemas com a bebida, a nova-iorquina Gloria (Anne Hathaway) é expulsa de casa por seu namorado Joel (Austin Stowell), sendo forçada a voltar para a casa dos pais e repensar a vida. Em sua pequena cidade natal, ela encontra Oscar (Jason Sudeikis), um amigo de infância e dono de um bar, e vai tentando reconstruir a sua vida como pode – isso é, até que um misterioso monstro gigante aparece em Seul, colocando o mundo todo em pânico. Não demora para que Gloria perceba que ela e o monstro tem uma estranha relação, o que pode mudar completamente sua vida.
De modo geral, Colossal é um filme que consegue (com considerável sucesso) transitar entre gêneros de modo harmônico. Em boa parte do tempo, é uma dramédia fundada no velho tema do "retorno à cidade natal após desilusão com a vida nas grandes metrópoles", conseguindo se tornar mais tematicamente leve e mais pesado conforme a necessidade. Já as partes com o monstro, mesmo representando apenas uma pequena parcela do filme, não subtraem nada do andamento, pontuando bem os momentos de transição e desenvolvimento da trama.
Isso funciona porque, como já foi estabelecido, o monstro é uma alegoria e uma ferramenta narrativa para falar sobre alcoolismo, relacionamentos abusivos, irresponsabilidade e autodestruição – e isso não é exatamente sutil. As intenções são bem claras, mas, ainda assim, o filme acaba soando como uma maneira interessante de abordar esses elementos (ao menos em sua intenção).
O roteiro é bom, com sacadas interessantes e é acompanhado de atuações bem orgânicas e que compõem bem o panorama retratado. Anne Hathaway está bem ok e Jason Sudeikis rouba a cena com uma performance densa e cheia de camadas. Acredito que, se o nível se mantivesse pela integridade do filme, o resultado seria algo agradável e capaz de levantar algumas reflexões. O problema é que Colossal se perde em sua mensagem, abordando problemas sérios de um modo que, ao meu ver, é completamente incorreto e até mesmo perigoso.
O que temos no filme são pessoas com problemas e condições psicológicas que precisam de ajuda profissional, algo que não se limita apenas à protagonista. Porém, em vez de tratar isso com a sensibilidade necessária, o filme vilaniza certas atitudes e, até certo ponto, justifica o uso de violência por entender que quem não tem a ‘força necessária’ para superar essas questões é uma pessoa ruim. O exemplo mais complicado desse comportamento é ver que o filme sai do seu caminho – inclusive incluindo diálogos que soam destoantes do que um personagem apresentou até o momento – para justificar um fim trágico.
O último ato, sobretudo, é o que mais mina os esforços do filme, quebrando as caracterizações dos personagens, apresentando um desfecho que não é muito satisfatório e que soa meio descolado da lógica da produção apresentada até então. É o típico caso de um final ruim que azeda tudo que o foi apresentado anteriormente, reinterpretando o filme do pior modo possível. Falta nuance e desenvolvimento, uma cola que deixa tudo prestes a desmoronar.
É uma pena. Colossal tem um grande potencial desperdiçado, mostrando que o diretor e roteirista Nacho Vigalondo – em sua estreia no grande circuito hollywoodiano –, ainda tem muito o que aprender e a refinar em sua arte. As intenções são boas e muitos elementos que estão no longa-metragem funcionam, mas falta a harmonia necessária para que o filme realmente chegue lá. Do jeito que está, nem meu amor por monstros e robôs gigantes me fizeram ser capaz de ver através dos tropeços e problemas de Colossal.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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