Divagações: Sing Street

A produção mais fofa da última temporada de premiações, Sing Street nem chegou a ter um espaço no Oscar – nem no Bafta! – e, mesmo assim,...

A produção mais fofa da última temporada de premiações, Sing Street nem chegou a ter um espaço no Oscar – nem no Bafta! – e, mesmo assim, conquistou o coração de muita gente. Piegas? Muito provável, mas digno de sua atenção da mesma forma.

Com direção e roteiro de John Carney, o filme segue a tradição do cineasta, que adora colocar a música como tema em seus longas-metragens. Nesse caso, temos devaneios adolescentes em tempos de crise, econômica e familiar. O resultado é uma banda formada por diversos meninos que nem ao menos sabem tocar direito, mas que estão cheios de motivação e de sonhos.

Na Dublin dos anos 1980, Conor (Ferdia Walsh-Peelo) é o mais novo de três filhos em uma casa onde os pais (Aidan Gillen e Maria Doyle Kennedy) brigam diariamente. Quando a situação financeira aperta, um dos primeiros cortes está em sua escola, de modo que o menino passa a frequentar uma instituição religiosa para meninos em Synge Street (detalhe, esse lugar existe!). O colégio é repleto de regras estúpidas e de uma juventude violenta e desmotivada.

Mais esperançoso que seus colegas, Conor decide se aproximar de uma moça que mora em frente à escola, Raphina (Lucy Boynton), e, para impressioná-la, mente que tem uma banda. Para seguir em frente, ele passa a ter aulas com seu irmão mais velho, Brendan (Jack Reynor) – que o apresenta ao melhor do rock da época –, e reúne qualquer colega que tenha o mínimo interesse em música, formando uma amizade real com Eamon (Mark McKenna), o único do grupo que sabe efetivamente tocar algum instrumento. Juntos, os dois passam a compor e arranjar suas próprias canções que, depois, são transformadas em videoclipes, sempre com a presença de Raphina como a musa inspiradora (e maquiadora da banda).

Em uma realidade cheia de revezes, os meninos encontram na música uma forma de escapismo e de poder continuar a sonhar. Eles querem algo melhor do que vivenciam no dia a dia e tentam expressar isso com penteados mirabolantes que mudam a cada semana, devidamente combinados com delineador e sombra nos olhos. No caso de Conor, ele assume para si as ambições de Raphina, que quer sair de Dublin e ir tentar a vida em Londres, assim como fizeram centenas de outros irlandeses no período.

O detalhe é que Sing Street faz com que você embarque no sonho sem problemas. Embora a falta de jeito dos rapazes pareça cômica no início, eles se esforçam e é perceptível que há uma evolução. As músicas são realmente legais e eles passam a tocar cada vez melhor. Por mais que seja palpável a chance de todos esses sonhos simplesmente morrerem com o tempo – esmagados pela força da realidade –, você passa a torcer pelos protagonistas.

E é aí que o filme faz mais uma de suas mágicas. Os meninos estão tão envolvidos com a produção de seus videoclipes que as coisas começam a se misturar na tela. Aquela cena pode ser só mais um devaneio, um desejo adolescente. Mas ela também pode ser um ato de rebeldia real. Os clipes e suas fortes mensagens audiovisuais representam não só uma necessidade de se expressar artisticamente, mas também trazem suas ambições e seus anseios. De certa forma, o protagonista passa a viver por meio de sua própria criação. Talvez seja simplesmente uma maneira de fugir da realidade, mas quem não gostaria de poder fazer o mesmo?

Sing Street não é aquele longa-metragem independente sobre amadurecimento que vemos ressurgir todos os anos. Ele é um filme sobre música, arte, escapismo e felicidade. Ao final, é provável que os personagens permaneçam tão infantis e imaturos quanto no começo da história, mas isso não quer dizer que eles não tenham vivido uma jornada maravilhosa – e estejam prestes a começar mais uma.

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