Divagações: 120 battements par minute
4.1.18
O filme acaba. Os créditos começam a aparecer na tela e as luzes demoram um pouco mais que o normal para ascenderem. Silêncio total. Por mais que um grupo de críticos raramente configure um “público normal” para uma sala de exibição, há algo de compreensivelmente pesado no ar, uma vez que todos os presentes ainda digerem o que acabaram de ver. Depois de alguns longos segundos, duas pessoas na minha fileira começam a cochichar sobre arcos dramáticos e a trocar notas sobre o que acharam da produção. Outros parecem despertar de um estupor enquanto levantam e se encaminham para a saída. A pergunta tradicional que se segue – “E aí? Gostou do filme?” – é fácil de responder: 120 battements par minute é excelente, muito bem construído e realizado, justificando todos os prêmios recebidos até agora. Mas é complicado lidar com tudo o que acontece na tela e sair ileso.
A história se passa no começo dos anos 1990 e gira em torno de um grupo de membros do grupo ativista Act Up Paris, que demandava ações governamentais e de companhias farmacêuticas para o combate à epidemia de Aids. Embora se intitulasse como não violento, o grupo procurava gerar barulho com suas ações, o que incluía fazer cartazes e participar de marchas, mas também invadir o palco durante palestras, entrar dentro de laboratórios para demandar por resultados de testes e fazer ações não autorizadas dentro de escolas – normalmente acompanhados de uma boa dose de sangue falso.
Como uma boa desculpa para diálogos expositivos, 120 battements par minute entra no meio desse grupo sob o olhar de um novo membro, Nathan (Arnaud Valois). Ele parece deslocado – e realmente está, já que é um dos poucos membros soronegativos –, mas logo começa a participar de ações e se encanta com o espírito vivaz e audacioso de Sean Dalmazo (Nahuel Pérez Biscayart), um dos membros mais ativos e polêmicos do Act Up. Dessa forma, o público mergulha de cabeça nas discussões e debates dos jovens franceses (e seus hábitos estranhos, como estalar os dedos para demonstrar aprovação).
Sem pressa, o diretor e roteirista Robin Campillo apresenta uma variedade de personagens, com diferentes personalidades e pontos de vista. Há a ativista da linha de frente que gostaria de mais espaço para falar publicamente (Adèle Haenel), o presidente que tenta ser ativista e moderador ao mesmo tempo (Antoine Reinartz), o jovem estudante que está em busca de apoio depois de ter sua saúde deteriorada muito rapidamente (Ariel Borenstein) e até mesmo a mãe do jovem hemofílico, contaminado pela negligência de médicos e do governo (Catherine Vinatier). Embora exista muitas dissidências e eles nunca pareçam concordar, há respeito e uma forte amizade entre os membros. Afinal, a maior parte deles sabe que está no mesmo barco furado, onde desesperadamente retiram água às colheradas. Sem eufemismos: eles lutam da forma que podem pelas próprias vidas.
E assim que as relações militantes e os pontos de vista do grupo estão bem construídos (ficando a cargo de cada um se identificar mais com um dos que com outro ou até mesmo discordar de tudo), 120 battements par minute começa a se distanciar do que poderia torná-lo um excelente filme sobre luta e ativismo. Para dar sua mensagem, o filme não constrói seu clímax sobre os protestos – e existiram diversas oportunidades para isso –, mas sente a necessidade de sair do discurso e encarar a doença de frente, por mais que isso implique em aproximar o filme de uma série de clichês narrativos do gênero.
Dessa forma, os espectadores são levados dos debates e das reuniões para o dia a dia do relacionamento de Nathan e Sean, com tratamentos e hospitais sendo intercalados por um romance entre duas pessoas que claramente têm suas diferenças. Em um filme com mais de duas horas de duração, esses momentos acabam sendo considerados os ‘culpados’ pela extensão, mas, ao mesmo tempo, eles também são essenciais para o impacto emocional que a produção quer causar.
Por mais que conte uma história sobre um grupo ativista, 120 battements par minute é um filme sobre jovens enfrentando energicamente uma luta que, no fundo, eles sabem que irão perder. Mesmo para quem ainda lembra o terror que a palavra Aids inspirava e a quantidade imensa de desinformação circulante, a deterioração física e as consequências da doença ainda são necessárias para colocar as demandas do Act Up em perspectiva, dando um senso de urgência impossível de alcançar com os (ainda assim necessários) debates por slogans ou a discussão sobre o posicionamento do coletivo a respeito da prisão de políticos e médicos.
Aliás, uma das melhores palavras que vi serem usadas para definir 120 battements par minute é “respeitoso”. O longa-metragem não se acanha em falar de relatórios médicos, pesquisas e efeitos de medicamentos, respeitando cada um de seus personagens e abrindo espaço para um debate que precisa – sim, ainda precisa – ser ampliado. O filme traz uma reconstrução meticulosa e não julga as ações de seus personagens, demonstrando compreensão em relação à posição de cada um deles. Não é fácil encarar isso de frente e com tanto cuidado, retratando a paixão com amor, mas sem se entregar a ela. Também não é fácil de assistir, mas esse é um daqueles mergulhos que ampliam horizontes.
P.S.: Peço desculpa pela pausa no Especial Terror, mas esse é um dos filmes pelos quais vale a pena interromper as ‘férias’ do blog. E vem mais por aí! :)
A história se passa no começo dos anos 1990 e gira em torno de um grupo de membros do grupo ativista Act Up Paris, que demandava ações governamentais e de companhias farmacêuticas para o combate à epidemia de Aids. Embora se intitulasse como não violento, o grupo procurava gerar barulho com suas ações, o que incluía fazer cartazes e participar de marchas, mas também invadir o palco durante palestras, entrar dentro de laboratórios para demandar por resultados de testes e fazer ações não autorizadas dentro de escolas – normalmente acompanhados de uma boa dose de sangue falso.
Como uma boa desculpa para diálogos expositivos, 120 battements par minute entra no meio desse grupo sob o olhar de um novo membro, Nathan (Arnaud Valois). Ele parece deslocado – e realmente está, já que é um dos poucos membros soronegativos –, mas logo começa a participar de ações e se encanta com o espírito vivaz e audacioso de Sean Dalmazo (Nahuel Pérez Biscayart), um dos membros mais ativos e polêmicos do Act Up. Dessa forma, o público mergulha de cabeça nas discussões e debates dos jovens franceses (e seus hábitos estranhos, como estalar os dedos para demonstrar aprovação).
Sem pressa, o diretor e roteirista Robin Campillo apresenta uma variedade de personagens, com diferentes personalidades e pontos de vista. Há a ativista da linha de frente que gostaria de mais espaço para falar publicamente (Adèle Haenel), o presidente que tenta ser ativista e moderador ao mesmo tempo (Antoine Reinartz), o jovem estudante que está em busca de apoio depois de ter sua saúde deteriorada muito rapidamente (Ariel Borenstein) e até mesmo a mãe do jovem hemofílico, contaminado pela negligência de médicos e do governo (Catherine Vinatier). Embora exista muitas dissidências e eles nunca pareçam concordar, há respeito e uma forte amizade entre os membros. Afinal, a maior parte deles sabe que está no mesmo barco furado, onde desesperadamente retiram água às colheradas. Sem eufemismos: eles lutam da forma que podem pelas próprias vidas.
E assim que as relações militantes e os pontos de vista do grupo estão bem construídos (ficando a cargo de cada um se identificar mais com um dos que com outro ou até mesmo discordar de tudo), 120 battements par minute começa a se distanciar do que poderia torná-lo um excelente filme sobre luta e ativismo. Para dar sua mensagem, o filme não constrói seu clímax sobre os protestos – e existiram diversas oportunidades para isso –, mas sente a necessidade de sair do discurso e encarar a doença de frente, por mais que isso implique em aproximar o filme de uma série de clichês narrativos do gênero.
Dessa forma, os espectadores são levados dos debates e das reuniões para o dia a dia do relacionamento de Nathan e Sean, com tratamentos e hospitais sendo intercalados por um romance entre duas pessoas que claramente têm suas diferenças. Em um filme com mais de duas horas de duração, esses momentos acabam sendo considerados os ‘culpados’ pela extensão, mas, ao mesmo tempo, eles também são essenciais para o impacto emocional que a produção quer causar.
Por mais que conte uma história sobre um grupo ativista, 120 battements par minute é um filme sobre jovens enfrentando energicamente uma luta que, no fundo, eles sabem que irão perder. Mesmo para quem ainda lembra o terror que a palavra Aids inspirava e a quantidade imensa de desinformação circulante, a deterioração física e as consequências da doença ainda são necessárias para colocar as demandas do Act Up em perspectiva, dando um senso de urgência impossível de alcançar com os (ainda assim necessários) debates por slogans ou a discussão sobre o posicionamento do coletivo a respeito da prisão de políticos e médicos.
Aliás, uma das melhores palavras que vi serem usadas para definir 120 battements par minute é “respeitoso”. O longa-metragem não se acanha em falar de relatórios médicos, pesquisas e efeitos de medicamentos, respeitando cada um de seus personagens e abrindo espaço para um debate que precisa – sim, ainda precisa – ser ampliado. O filme traz uma reconstrução meticulosa e não julga as ações de seus personagens, demonstrando compreensão em relação à posição de cada um deles. Não é fácil encarar isso de frente e com tanto cuidado, retratando a paixão com amor, mas sem se entregar a ela. Também não é fácil de assistir, mas esse é um daqueles mergulhos que ampliam horizontes.
P.S.: Peço desculpa pela pausa no Especial Terror, mas esse é um dos filmes pelos quais vale a pena interromper as ‘férias’ do blog. E vem mais por aí! :)
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