Divagações: The VVitch: A New-England Folktale

Você provavelmente aprendeu na escola que, durante o processo de colonização dos Estados Unidos, muitas pessoas cuja religião não era vist...

Você provavelmente aprendeu na escola que, durante o processo de colonização dos Estados Unidos, muitas pessoas cuja religião não era vista com bons olhos na Inglaterra resolveram se mudar para o novo continente. Fervorosos em suas crenças, esses imigrantes criaram comunidades com regras rígidas e realizaram diversas caças às bruxas, inclusive com os famosos episódios em Salem, no Massachusetts, entre 1692 e 1693.

The VVitch: A New-England Folktale se passa alguns anos antes, em 1630, e conta sua história de um jeito muito particular. Imagine que uma família desse período resolveu sair da comunidade e viver isolada perto de uma floresta. Um dia, no entanto, alguém decide visitá-los e percebe que uma tragédia aconteceu no local. Como essa história seria contada? O que as pessoas imaginariam que aconteceu com cada um dos moradores da casa? Nesse exercício, o diretor e roteirista Robert Eggers pesquisou diversas cartas e documentos da época para criar seus diálogos e desenvolver seus personagens, criando uma amálgama convincente e incomodamente humana.

Na trama, William e Katherine (Ralph Ineson e Kate Dickie) são pais de cinco filhos e levam a vida isolados, cuidando de uma pequena lavoura de milho e tratando de um rebanho de cabras. As duas crianças mais velhas, Thomasin (Anya Taylor-Joy) e Caleb (Harvey Scrimshaw) já assumem diversas responsabilidades. Os dois estão vivendo o despertar da adolescência, de modo que ela começa a trazer à tona com frequência suas doces lembranças da Inglaterra e demonstra pouca paciência com os caçulas, enquanto ele, que sabe seus ensinamentos religiosos de cor, começa a mentir e a demonstrar curiosidades de natureza sexual.

Apesar das pequenas tensões, o dia a dia da família vai bem – até que o filho mais novo, que é apenas um bebê, simplesmente desaparece. Katherine fica inconsolável. Thomasin passa, então, a viver com a culpa e sente que sua mãe a responsabiliza pelo ocorrido, pois era ela quem cuidava da criança no momento do desaparecimento. Por sua vez, Caleb passa a efetivamente questionar sua religião, pois não acredita que o irmão, que ainda não era batizado, possa estar no inferno. A possibilidade de que uma bruxa possa estar por trás do ocorrido é levantada, mas só passa a ser realmente considerada quando Thomasin e Caleb se perdem na floresta e o rapaz volta de lá com uma estranha doença.

O que se segue é um jogo de acusações, onde pequenos desentendimentos de antes acabam ganhando grandes proporções. William tenta permanecer como uma pessoa razoável, mas até mesmo ele é envolvido na dinâmica de mentiras e desconfianças. Além disso, eventualmente, os sinais de que há algo sobrenatural acontecendo ao redor da família começam a ficar cada vez mais fortes.

Mas não se engane, The VVitch: A New-England Folktale lida muito mais com as tensões entre os personagens do que com as ameaças externas a eles. O filme em nenhum momento se rende a sustos fáceis, usando de iluminação natural sempre que possível e de uma trilha sonora levemente incômoda, mas que meramente ambienta as cenas, sem forçar o espectador a ficar na ponta da cadeira – pelo contrário, você passa a sentar cada vez mais para o fundo, como se quisesse escapar do que está acontecendo na tela.

Para completar, o longa-metragem não é muito bom em dar respostas, o que também pode incomodar algumas pessoas (há um final bem claro, mas muitos elementos ficam em aberto). Como uma produção de terror, ele é bem mais lento e calmo que seus ‘companheiros’, além de exigir do espectador certa empatia com os personagens e sua situação, algo que não é exatamente comum no gênero.

The VVitch: A New-England Folktale, apesar de ter sido amplamente elogiado pela crítica e ter recebido uma enorme quantidade de prêmios, não é exatamente um filme para todo mundo – e nem sequer para todos os fãs de terror que existem por aí. A produção exige atenção sem, ao mesmo tempo, entregar qualquer coisa que a prenda forçosamente. Ou seja, para aproveitar, é preciso entender o contexto mais amplo que envolve a história e mergulhar na vida daqueles personagens. Esse não é, nem de longe, um entretenimento descompromissado.

RELACIONADOS

0 recados