Divagações: The Shape of Water
30.1.18
Guillermo del Toro é um diretor que não consigo deixar de admirar – não por considerá-lo um gênio visionário ou algo assim, mas pela enorme paixão que ele deixa transparecer em todas as suas obras. Ele é o tipo de pessoa que consegue transformar suas ideias em algo concreto e muito bem executado, independentemente de quanto a premissa inicial possa parecer absurda, o que sempre faz com que seus filmes tenham algo de especial.
The Shape of Water é, basicamente, mais uma dessas empreitadas. O filme faz o que a Universal tentou (mas não conseguiu) no ano passado, que é repaginar os filmes de monstro dos anos 1960 e 1970. Del Toro, que teve nessas produções uma parte vital de sua formação artística, as trouxe para o cinema contemporâneo, adicionando uma boa dose de sensibilidade e poesia a um gênero que raramente está ligado a esses adjetivos.
Passado nos anos 1960, no auge da Guerra Fria, The Shape of Water acompanha Elisa (Sally Hawkins), uma faxineira muda que trabalha em uma base militar de pesquisa. Sua vida é rotineira e ela passa a maior parte do seu tempo cuidando do seu vizinho, Giles (Richard Jenkins) ou sendo rodeada por Zelda (Octavia Spencer), sua única amiga no trabalho. As coisas mudam quando uma estranha criatura anfíbia (Doug Jones) é trazida para ser estudada na base e, com ela, chega também o impiedoso Richard Strickland (Michael Shannon), o novo chefe de segurança do local. Elisa acaba se afeiçoando à criatura e percebe que ela é bem mais do que os pesquisadores conseguem ver, o que a coloca no centro de um jogo de intrigas políticas e disputas de ego.
Com um clima de conto de fadas adulto (e que não liga de explorar sexo e sexualidade no processo), The Shape of Water é, acima de tudo, uma história de amor. O filme versa sobre o sentimento de pertencimento e aceitação não apenas entre seus protagonistas, mas por meio de todos os personagens que, de algum modo, lidam com o preconceito ou com a frustração de não serem enxergados como quem eles realmente são. Por isso, a produção às vezes soa um pouquinho água com açúcar demais (com o perdão do trocadilho), o que pode afastar quem esperava por algo mais sombrio e emocionalmente carregado, como já vimos em obras anteriores do diretor.
Por conta de sua estrutura e de seus temas, o longa-metragem pode parecer derivativo e previsível. No entanto, como suas intenções são justamente trabalhar com elementos que já existiam nos filmes de monstro (a criatura é, basicamente, uma versão de alto orçamento do monstro da lagoa negra), essas similaridades são perdoáveis e até mesmo compreensíveis como parte de uma homenagem a essa época do cinema.
Mas não é apenas isso. The Shape of Water também faz referência a outros filmes da mesma época, sobretudo àqueles musicais exagerados da era de ouro de Hollywood (a propósito, uma breve sequência nesse estilo pode causar algum estranhamento). Dessa forma, há sempre uma certa leveza e algo poético na maneira como a história é contada e/ou em seu visual.
Inclusive, a sequência de abertura, toda filmada embaixo da água, já é um atestado a esse comprometimento de fazer algo que beira o etéreo e o fantástico – e as escolhas visuais de Del Toro acertam em cheio nesse quesito. Apesar da paleta de cores do filme ser um pouco apagada demais para o meu gosto, por exemplo, entendo que isso é algo que combina com o período, com seus tons pastéis e contidos.
Para completar, o elenco está fantástico. Sally Hawkins está absolutamente eloquente sem falar uma sílaba, o que demonstra a força do seu personagem. Octavia Spencer é sempre ótima, apesar da personagem ser um pouco estereotipada, mas não há nada que caia para o ofensivo. Porém, o maior problema que vejo é o personagem de Michael Shannon, que está um pouco na linha do canastro e cujas atitudes são exageradas para torná-lo mais detestável, restando a ele apenas o verdadeiro papel de "monstro".
Aliás, é uma pena que algumas tramas secundárias ficam sem resolução. Sei que muita coisa foi colocada apenas para dar mais cor aos personagens, mas realmente acho que alguns elementos podiam ser trabalhados com mais profundidade. A trama envolvendo Giles é uma das que mais sofrem com isso e acaba morrendo na praia sem exatamente se resolver.
Assim, o filme não deixa de ter suas falhas, sobretudo na maneira em que seu mundo é construído (a base do governo em que o filme se passa é, provavelmente, a menos segura da história), mas o tom de fábula ajuda a minimizar essa sensação e deixa claro que o importante é a mensagem. No geral, The Shape of the Water é realmente um filme sólido e que consegue soar fresco e diferente do resto dos filmes que lotam nossos cinemas nessa temporada de premiações, sendo uma ótima adição a filmografia de Guillermo del Toro. Veja bem: ele até consegue me fazer perdoar o diretor por deixar Pacific Rim: Uprising nas mãos de outra equipe por conta deste filme.
Outras divagações:
Pacific Rim
Crimson Peak
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
The Shape of Water é, basicamente, mais uma dessas empreitadas. O filme faz o que a Universal tentou (mas não conseguiu) no ano passado, que é repaginar os filmes de monstro dos anos 1960 e 1970. Del Toro, que teve nessas produções uma parte vital de sua formação artística, as trouxe para o cinema contemporâneo, adicionando uma boa dose de sensibilidade e poesia a um gênero que raramente está ligado a esses adjetivos.
Passado nos anos 1960, no auge da Guerra Fria, The Shape of Water acompanha Elisa (Sally Hawkins), uma faxineira muda que trabalha em uma base militar de pesquisa. Sua vida é rotineira e ela passa a maior parte do seu tempo cuidando do seu vizinho, Giles (Richard Jenkins) ou sendo rodeada por Zelda (Octavia Spencer), sua única amiga no trabalho. As coisas mudam quando uma estranha criatura anfíbia (Doug Jones) é trazida para ser estudada na base e, com ela, chega também o impiedoso Richard Strickland (Michael Shannon), o novo chefe de segurança do local. Elisa acaba se afeiçoando à criatura e percebe que ela é bem mais do que os pesquisadores conseguem ver, o que a coloca no centro de um jogo de intrigas políticas e disputas de ego.
Com um clima de conto de fadas adulto (e que não liga de explorar sexo e sexualidade no processo), The Shape of Water é, acima de tudo, uma história de amor. O filme versa sobre o sentimento de pertencimento e aceitação não apenas entre seus protagonistas, mas por meio de todos os personagens que, de algum modo, lidam com o preconceito ou com a frustração de não serem enxergados como quem eles realmente são. Por isso, a produção às vezes soa um pouquinho água com açúcar demais (com o perdão do trocadilho), o que pode afastar quem esperava por algo mais sombrio e emocionalmente carregado, como já vimos em obras anteriores do diretor.
Por conta de sua estrutura e de seus temas, o longa-metragem pode parecer derivativo e previsível. No entanto, como suas intenções são justamente trabalhar com elementos que já existiam nos filmes de monstro (a criatura é, basicamente, uma versão de alto orçamento do monstro da lagoa negra), essas similaridades são perdoáveis e até mesmo compreensíveis como parte de uma homenagem a essa época do cinema.
Mas não é apenas isso. The Shape of Water também faz referência a outros filmes da mesma época, sobretudo àqueles musicais exagerados da era de ouro de Hollywood (a propósito, uma breve sequência nesse estilo pode causar algum estranhamento). Dessa forma, há sempre uma certa leveza e algo poético na maneira como a história é contada e/ou em seu visual.
Inclusive, a sequência de abertura, toda filmada embaixo da água, já é um atestado a esse comprometimento de fazer algo que beira o etéreo e o fantástico – e as escolhas visuais de Del Toro acertam em cheio nesse quesito. Apesar da paleta de cores do filme ser um pouco apagada demais para o meu gosto, por exemplo, entendo que isso é algo que combina com o período, com seus tons pastéis e contidos.
Para completar, o elenco está fantástico. Sally Hawkins está absolutamente eloquente sem falar uma sílaba, o que demonstra a força do seu personagem. Octavia Spencer é sempre ótima, apesar da personagem ser um pouco estereotipada, mas não há nada que caia para o ofensivo. Porém, o maior problema que vejo é o personagem de Michael Shannon, que está um pouco na linha do canastro e cujas atitudes são exageradas para torná-lo mais detestável, restando a ele apenas o verdadeiro papel de "monstro".
Aliás, é uma pena que algumas tramas secundárias ficam sem resolução. Sei que muita coisa foi colocada apenas para dar mais cor aos personagens, mas realmente acho que alguns elementos podiam ser trabalhados com mais profundidade. A trama envolvendo Giles é uma das que mais sofrem com isso e acaba morrendo na praia sem exatamente se resolver.
Assim, o filme não deixa de ter suas falhas, sobretudo na maneira em que seu mundo é construído (a base do governo em que o filme se passa é, provavelmente, a menos segura da história), mas o tom de fábula ajuda a minimizar essa sensação e deixa claro que o importante é a mensagem. No geral, The Shape of the Water é realmente um filme sólido e que consegue soar fresco e diferente do resto dos filmes que lotam nossos cinemas nessa temporada de premiações, sendo uma ótima adição a filmografia de Guillermo del Toro. Veja bem: ele até consegue me fazer perdoar o diretor por deixar Pacific Rim: Uprising nas mãos de outra equipe por conta deste filme.
Outras divagações:
Pacific Rim
Crimson Peak
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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