Divagações: Coco

A representação da cultura alheia no cinema (e em outras mídias) sempre é algo que gera muitas controvérsias. Quando isso é feito com cari...

A representação da cultura alheia no cinema (e em outras mídias) sempre é algo que gera muitas controvérsias. Quando isso é feito com carinho e respeito, contudo, o resultado pode ser muito mais compensador que o de qualquer outra produção. Coco, por exemplo, bateu recordes de bilheteria no México e, sinceramente, não consigo pensar em um público mais capacitado para validar um filme como esse. Isso sem contar que, dentro do contexto político atual, a opção da Disney por um filme totalmente passado no país tem um gostinho particularmente especial.

Miguel (Anthony Gonzalez) é um dos mais jovens membros de uma família de sapateiros que tem muito orgulho do que faz. Eles são muito unidos e, aparentemente, felizes. Mas isso não impede que o menino tenha seus ressentimentos: ele não quer fazer sapatos, quer ser um músico. O maior problema para a realização de seu sonho é que qualquer tipo de contato com canções e instrumentos está proibido no clã desde que sua tataravó Imelda (Alanna Ubach) foi deixada pelo marido, que partiu com um violão nas costas.

A revolta do menino chega a seu ápice durante um Dia dos Mortos. Enquanto a família se prepara para as tradicionais celebrações, Miguel descobre que seu tataravô pode ter sido o cantor de sucesso – e seu ídolo – Ernesto de la Cruz (Benjamin Bratt). Sem querer-querendo, ele acaba cruzando para o lado dos mortos e descobre que precisará da ajuda de seu tataravô para voltar para casa. Assim, para encontrá-lo, Miguel recruta a ajuda do trambiqueiro Héctor (Gael García Bernal), que, em troca, quer a oportunidade de ver sua filha uma última vez.

Toda essa jornada é acompanhada de uma boa dose de música – com ritmos que respeitam a origem dos personagens e suas principais influências. Inclusive, eu tive a oportunidade de assistir a uma sessão com áudio original em inglês, mas fiquei com real vontade de conferir Coco em espanhol. Além das letras ficarem ainda melhores (dá para conferir o álbum no Spotify!), tudo nas canções remete ao México, com direito a gravações com 50 músicos e instrumentos locais feitas na capital do país. Ou seja, houve uma grande atenção dos diretores Lee Unkrich e Adrian Molina com o objetivo de garantir a autenticidade desse que é um dos aspectos cruciais da produção – e isso se reflete na tela.



A propósito, para quem quiser ou só puder assistir o filme em português, garanto que a adaptação das canções e os dubladores deram conta do recado! Entretanto, foram feitas algumas mudanças – que ficaram bem estranhas nas legendas! – como a troca do apelido Coco, que originalmente dá nome ao filme, e do nome Imelda, que virou Amélia.

De qualquer modo, um dos aspectos mais revigorantes de Coco é que o filme não se entrega à antiga estratégia da Pixar. O estúdio havia se tornado perito em apresentar uma boa premissa (capaz de fazer o público chorar com meia hora de exibição) e, depois, entregava uma aventura comum, que agradava as crianças e poderia ser facilmente esquecida pelos demais.

Nesse caso, contudo, a jornada do protagonista é interessante do primeiro ao último instante, prendendo a atenção tanto de crianças quanto de adultos. Por mais que a reviravolta final possa ser vista a quilômetros de distância, o filme ainda diverte e é repleto de bons momentos. Ao optar por apresentar novos conceitos aqui e ali, são adicionados novos elementos à tensão à medida em que eles se tornam necessários e, com isso, a produção consegue explorar um universo riquíssimo sem economizar ideias.

Outro ponto importante é que Coco também é um espetáculo visual (chavão, eu sei...). Enquanto o mundo dos vivos é cheio de detalhes e retrata um México muito palpável, o lado dos mortos é um deleite para os olhos, sendo digno das imaginações mais férteis. Cada ‘cenário’ traz uma atmosfera própria e ajuda a dar a sensação de que se trata de um universo complexo e muito maior do que a compreensão do próprio personagem principal.

Em meio a tudo isso, o fato de que o filme traz personagens ‘falecidos’ pode até passar batido para muita gente. A morte é tratada com naturalidade ao longo de toda a produção, ainda que a distância traga tristeza. Inclusive, a ideia de que a ‘vida’ permanece enquanto houver memória e histórias sejam passadas adiante é muito poderosa e consegue ultrapassar barreiras culturais que porventura possam existir. Dessa forma, por mais que seja tão mexicano, Coco merece ser apreciado onde quer que seja.

Outras divagações:
Toy Story 3

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