Entrevista: Lone Scherfig (An Education)

“Educação”, filme que chega hoje aos cinemas brasileiros, conta a história de Jenny (Carey Mulligan), uma menina estudiosa no último ano do ...

“Educação”, filme que chega hoje aos cinemas brasileiros, conta a história de Jenny (Carey Mulligan), uma menina estudiosa no último ano do colégio. A época é 1960, numa Londres bem careta. Ela conhece David (Peter Sarsgaard), um homem mais velho e misterioso, que seduz não só Jenny, como seu pai (Alfred Molina). David mostra as maravilhas do mundo adulto para Jenny, que sonha com Paris, em falar francês e viajar o mundo. A direção é de Lone Scherfig, dinamarquesa de 50 anos. Ela foi a primeira mulher a dirigir com os conceitos radicais do movimento Dogma 95, no filme "Italiano para Principiantes" (2000), que lhe valeu um Urso de Prata em Berlim.

“Educação” é o primeiro roteiro que Nick Hornby escreve sem ser baseado em um de seus livros, e sim nas memórias da jornalista Lynn Barber.

O longa disputa três Oscars: filme, atriz (Mulligan) e roteiro adaptado (Nick Hornby).

Confira a seguir entrevista com a diretora, na qual ela fala sobre Londres dos anos 60, a dificuldade para achar as músicas certas, as influências do Dogma e a maravilha dos atores britânicos (ATENÇÃO: SPOILERS).

FOLHA - O que te atraiu na história de Lynn Barber?
LONE SCHERFIG - Eu li primeiro o roteiro de Nick Hornby. Nós temos a mesma agente e eu pedi para ela para lê-lo. No começo, eu gostei do tom da história e muito do [personagem] David. Achei que o retrato dele era interessante e algo que eu gostaria de explorar. Sempre achei que os romances de Nick têm essa combinação de humor, são calorosos, e têm algo profundo que eu realmente gosto. Não foi a [personagem] Jenny que me pegou, isso veio depois.

FOLHA- Você leu as memórias de Barber também?
SCHERFIG - No trabalho original, Jenny se sente muito mais prejudicada por David do que no filme. A relação dos dois, na verdade, foi muito mais longa. O filme é um pouco mais otimista, leve, e, de uma certa maneira, foi uma boa experiência. Menos amargo do que quando você lê o livro original.
Também acontece que, quando Lynn Barber escreve sobre isso, ela usa mais sarcamo. Carey [Mulligan, atriz que faz Jenny] é mais doce. E claro, Carey é mais jovem, está vivendo isso, está no meio disso tudo. E no livro é mais um flashback do ponto de vista de uma mulher adulta.

FOLHA - E o final é igual?
SCHERFIG - O final é, mas eles ainda se falam. Ele liga em seu aniversário todos os anos. Ela casou com outra pessoa, e ele também, eu acho.

FOLHA - Você conversou com ela?
SCHERFIG - Sim, sim, ela veio conhecer a casa [onde filmamos parte do filme] e ouvi ela rindo muito quando viu o filme. Ela escreveu mais sobre essa história. Uma editora, acho que a Penguin, pediu para ela escrever mais capítulos de sua história e ela fez isso recentemente.

FOLHA - Mas o que acontece no final do livro?
SCHERFIG - Ele vai para Oxford [atrás de Jenny] e pede a mão dela. Ele acaba indo parar na prisão por fraude e depois tenta se divorciar de sua mulher.

FOLHA - E hoje em dia eles se ainda se falam, são amigos?
SCHERFIG - Amigos não é bem o termo. Ele apenas liga para ela uma vez por ano.

FOLHA - E você conheceu ele?
SCHERFIG - Não, mas teria sido interessante. Eu tentei encontrá-lo, mas não consegui.

FOLHA - As pessoas estão falando muito sobre Carey Mulligan, e eu fiquei curiosa para saber como foi o processo de seleção.
SCHERFIG - Ela é muito talentosa. Ela realmente se destacou no processo e entre todos os DVDs que eu recebi de um diretor de elenco. Ela foi quem eu mais gostei desde o começo. Ela é muito inteligente e doce ao mesmo tempo, uma atriz muito boa. E ela não tinha feito muita coisa, sua carreira explodiu completamente. Tem mais uns cinco filmes saindo do forno.

FOLHA - Você mantém contato com ela?
SCHERFIG - Sim, sim, na semana passada fomos ao Globo de Ouro. Ela tem recebido muitas indicações, embora não fique com os prêmios, só alguns.

FOLHA - E como foi trabalhar com Nick Hornby? Imagino se ele colocou as músicas como parte do roteiro.
SCHERFIG - Acho que uma ou duas das canções foram sugestões dele. Ele é muito bom com isso, sabe muito de música. Mas havia canções no roteiro que não funcionaram muito bem. Mas ele conhece o período e não tinha muita música inglesa naquela época, era tudo muito sentimental. A boa música vinha da América. Os Beatles ainda estavam em estúdio, assim como os Rolling Stones, e ninguém havia ouvido nada ainda. Foi difícil achar coisas que tinham a ver com a cena e que funcionavam com a atmosfera, com o texto e que fossem certas de que ela teria ouvido, ou David teria ouvido. A gente passou um tempão com isso, ouvindo músicas e mais músicas e músicas. É uma ótima parte do meu trabalho, adoro fazer isso, é maravilhoso.

FOLHA - E quando o filme estava sendo feito, ele participou das filmagens?
SCHERFIG - Não, ele veio para conhecer a casa uma vez, depois outro dia, e foi só isso. Sua mulher é uma das produtoras, então talvez eles tivessem conversas, você sabe, na hora do jantar, essas coisas.

FOLHA - Como foi o processo de pensar elementos da Londres dos anos 60?
SCHERFIG - Fiz muito mais pesquisa do que teria feito se estivesse na Dinamarca ou mesmo em outro país da Europa. Porque esse período na Inglaterra é muito específico, muito mais uma sociedade de classes, então eu precisei pesquisar muito mais. E também porque muitas pessoas no elenco eram muito jovens e não viveram nessa época. Tínhamos fotos espalhadas por todo o lugar e muita música. E todas as roupas são reais, da época mesmo. Isso ajuda muito os atores.

FOLHA - Eu fiquei imaginando se você, que foi criada na Europa, tão perto de Paris e Londres, tinha alguma imagem desses países nos anos 60 que queria levar para o filme.
SCHERFIG - É uma época estranha em Londres. É antes de Londres virar “Swinging London”. É muito provinciana, nem parece que você está numa cidade grande, é muito conservadora. Não se tornou “selvagem” até muito mais tarde. E muito aconteceu como uma reação a esse período específico, onde as coisas eram muito mais restritas. Mas eu passei mais tempo em Paris quando jovem, então foi mais fácil filmá-la.

FOLHA - Gosto muito do começo do filme, com as meninas fazendo os exercícios e tal na escola só para meninas. Isso existia na Dinamarca também?
SCHERFIG - Uma das razões pelas quais eu fiz isso [toda essa pesquisa histórica] é que nós nem temos uniforme de escola [na Dinamarca]. Nunca usei um uniforme de escola na minha vida. Para mim, isso tudo é uma coisa muito britânica. E acho que isso era uma boa forma de ajudar o público a voltar no tempo. Também servia para mostrar que Jenny era apenas mais uma no meio de várias. Você acredita que ela tem só 16 anos talvez porque a gente a vê naquela sequência do começo.

FOLHA - E como foi trabalhar com um elenco cheio de grandes nomes? É seu filme de maior orçamento?
SCHERFIG - Não, não é. Mas para mim, era um orçamento bem bom. Estou acostumada a ter orçamentos bem menores porque venho de um país de uma língua menor. Sobre os atores, é tão mais fácil dirigir atores realmente bons. É bom para mim sentir que não importa se é [Alfred] Molina, eu vou fazer o que eu sempre fiz. Que meu trabalho funciona mesmo com atores desse calibre. Os atores britânicos são muito disciplinados, muito muito humildes, trabalham duro, e isso faz seu trabalho muito melhor.

FOLHA - Os atores dinamarqueses não são tão diciplinados assim?
SCHERFIG - Humm... É que é mais experimental aqui. Especialmente porque eu venho do Dogma, que diz respeito sobre fazer as coisas de maneira mais vivas e verdadeiras, e não necessariamente corretas. Digo, não há perfeccionismo. Mas acho que toda a forma de trabalhar é meio igual.

FOLHA- Como a experiência no Dogma ajudou ou influenciou “Educação”?
SCHERFIG - Há um pouquinho disso aqui e ali. Um pouquinho de improvisação, mas bem de leve. Acho que essa sensibilidade e essa inocência, o fato de o filme não ser escorregadio, superproduzido, é uma honestidade com a qual eu fico feliz e acho que tem a ver com isso [Dogma].

FOLHA - Quais cenas foram improvisadas?
SCHERFIG - Aquela cena da banana, por exemplo. Quando eles vão para o outro quarto e sentam e ela pega a banana e diz: “room service?”. Isso foi totalmente improvisado, eu disse: “Vamos ver o que acontece se eu colocar a câmera aqui, e vocês correm e sentam nesse sofá”. E daí ela simplesmente fez isso. Esse foi meio que o meu momento Dogma. Não estava no roteiro, foi uma ideia extra que me veio. E acho que isso faz a sequência toda muito melhor, porque você esquece que ele [David] foi tão bobo [na cena anterior]. De alguma forma eles riem, e o público ri também. E você acredita que ela o ama de verdade, mesmo se ele tenta, você sabe, fazer sexo com uma banana, ou sei lá o que ele queria fazer com aquilo [risadas].

FOLHA - E o que aconteceu com o Dogma? Ainda existe?
SCHERFIG - Bem, se alguém quiser fazer [um filme Dogma], ainda existe. Mas no momento estamos todos fazendo filmes diferentes. A maioria de nós diz que se conseguíssemos o roteiro certo, voltaríamos para fazer de novo. Nós amávamos isso [o Dogma]. Mas no momento nenhum de nós está fazendo.

FOLHA - Mas você acha que nos dias de hoje isso seria possível, teria relevância? Afinal, são regras de 15 anos atrás.
SCHERFIG - É, você tem razão, tecnicamente aconteceu um grande desenvolvimento. Mas sim, você pode interpretar de maneiras diferentes. Para algumas histórias é uma forma muito boa de trabalhar. Mas no momento nenhum de nós está interessado nisso.

FOLHA - E como você entrou no movimento?
SCHERFIG - Eu entrei na escola de cinema com os “irmãos” Dogma. Eu os conhecia e estava trabalhando na época no estúdio de Lar Von Trier. E eles me perguntaram se eu gostaria de fazer parte.

FOLHA - Irmãos?
SCHERFIG - Sim, os dois primeiros diretores Dogma.

FOLHA - Ah, Lars Von Trier e Thomas Vinterberg?
SCHERFIG - Sim. Há quatro deles. E eu sou a número cinco. Sou a primeira irmã Dogma [risadas].

FOLHA - E o que você lembra dessa época? Havia reuniões, vocês discutiam muito sobre cinema?
SCHERFIG - Eu não fiz parte do grupo original, não fiz as regras, os primeiros irmãos fizeram. Mas a gente ainda se vê, trabalhamos na mesma coisa, a gente se encontra ocasionalmente. Mas não é um grupo formal.

FOLHA - Podemos falar sobre seu novo projeto, “One Day”?
SCHERFIG - Sim, é uma história de amor, se passa em Londres, nos anos 80 e 90. É baseado num livro que acabou de sair, o roteiro foi feito antes de o livro ser publicado. É lindo, muito engraçado. Eu chorei quando li pela primeira vez.

FOLHA - Chorou de rir ou por que é triste?
SCHERFIG - Porque a história tem um segredo muito muito triste. Dois amigos que não sabem que se amam e permanecem amigos durante toda a vida.

FOLHA - E vai filmar em Londres de novo?
SCHERFIG - Sim, no verão. Mas é coincidência. É só porque um bom roteiro acontece lá, não é de propósito.

Texto: Fernanda Ezabella

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