Divagações: The Butler

Embora as polêmicas sempre ajudem a divulgar um filme, indo além do poder habitual do marketing, acho bem triste quando elas se tornam ma...

Embora as polêmicas sempre ajudem a divulgar um filme, indo além do poder habitual do marketing, acho bem triste quando elas se tornam mais importantes que a produção em si. No caso de The Butler, o diretor Lee Daniels enfrentou muita coisa para manter seu título, uma vez que a Warner o havia registrado para ‘proteger’ um curta-metragem mudo de 1916 (e que praticamente não foi mais exibido desde então).

Não desmereço a briga que ele assumiu. Provavelmente, a expressão poderia ser trocada por algo piegas, mas não consigo pensar em um título melhor, já que o filme é realmente todo centrado no tal mordomo da Casa Branca. Cecil Gaines (Forest Whitaker) nasceu em uma plantação de algodão, onde foi educado para trabalhar dentro de casa depois de ter perdido o pai de uma forma trágica. Adolescente, fugiu e foi tentar a vida na cidade. Por sorte, acabou encontrando apoio e emprego – o que manteve com muito esforço.

Como bom funcionário em um hotel, Gaines construiu uma vida digna ao lado da mulher, Gloria (Oprah Winfrey) e dos filhos Louis (David Oyelowo) e Charlie (Elijah Kelley). Um belo dia, ele recebe um telefonema o convidando para uma entrevista na Casa Branca, um emprego cheio de regras e pequenas complicações, mas recompensador. Entre os presidentes que ele conhece estão Dwight D. Eisenhower (Robin Williams), John F. Kennedy (James Marsden), Lyndon B. Johnson (Liev Schreiber) e Richard Nixon (John Cusack).

Nesse contexto, o filme explora as lutas da comunidade negra dos Estados Unidos por igualdade. O contraste se dá principalmente entre os personagens de Cecil e Louis Gaines, pai e filho que decidem tratar o assunto de formas diferentes. Enquanto o mais velho procura trabalhar bem e com dignidade – muitas vezes fazendo vista grossa para as injustiças em nome do bem-estar geral –, seu filho se une aos Panteras Negras e a outros grupos, sendo constantemente preso e chamando a atenção da opinião pública para as sua causa (nem sempre de uma forma positiva).

Por mais que o assunto seja muito importante e relevante, The Butler parece sofrer de miopia, enxergando apenas as causas da população negra. O personagem central, sem dúvida, deve ter ouvir um leque muito mais amplo de assuntos relacionados à política do país do que vemos na tela. Afinal, o período em que ele trabalhou na Casa Branca foi muito interessante por diversos motivos e o mundo estava mudando de forma geral (os presidentes não eram simplesmente pessoas sensíveis!). As poucas menções que existem com relação à Guerra Fria envolvem o conflito no Vietnã, já que um dos filhos de Cecil vai para a batalha. Por sua vez, o escândalo em Watergate é mencionado rapidamente.

Concluindo com as eleições de Barack Obama, o filme apresenta um espectro bem interessante sobre o assunto, mostrando como a sociedade pode mudar em um período bem curto de tempo. Pensem bem: estamos falando apenas da vida de uma pessoa que começa sendo um negro no mundo dos brancos e vendo todo o tipo de barbárie, para depois acompanhar as lutas pelo fim da segregação racial até que um negro se elege presidente do país, algo absolutamente impensável no começo de sua trajetória.

Ou seja, The Butler conta uma história muito bonita e interessante, digna de ir ao cinema sem que nenhuma polêmica absurda atrapalhe seu caminho. Sendo muito político, o filme pode desagradar algumas pessoas, principalmente nos Estados Unidos, já que estamos falando de figuras históricas do país.

Ao mesmo tempo, o comportamento político também tentou minimizar justamente esse tipo de situação, o que deixa a coisa toda com um ar de candidato (ao Oscar, no caso). Tendo estreado um pouco antes do período tradicional e enfrentando a concorrência de 12 Years a Slave, os ânimos com relação a The Butler já estão mais calmos e eu me questiono quanto a sobrevida do filme. Como tudo o que envolve (seriamente) a Casa Branca, esse filme merece ser visto, mas talvez seja bom dar uma revisada nos cadernos de História.


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