Divagações: Hail, Caesar!
12.4.16
Existem poucos diretores na ativa com uma versatilidade tão grande quanto os irmãos Ethan e Joel Coen. Eles conseguem passar por gêneros extremamente distintos com bastante naturalidade e sem perder a autoria. Ainda que eu particularmente não considere os filmes de comédia da dupla particularmente acessíveis; o que, bem, é um problema considerável se tratando de comédia, tenho de admitir que é um humor refrescante para ver nos cinemas de vez em quando.
Hail, Caesar!, com seu ar de farsa e pastiche e seu tema extremamente promissor, anda por fora do radar por aqui. Na verdade, também ‘lá fora’ as críticas estão longe de uma unanimidade – mesmo entre os fãs de longa data da dupla de cineastas existe certo atrito. Mas ao ver o filme compreendi essa polarização: essa não é uma obra para todo mundo e depende muito mais do senso de humor e do conhecimento prévio do expectador do que de seus próprios méritos.
No filme, acompanhamos um dia na vida atribulada de Eddie Mannix (Josh Brolin), um produtor de Hollywood nos anos 1950 cujo trabalho é controlar egos, abafar escândalos e permitir que os longas-metragens sejam filmados conforme o esperado. Um pouco desiludido com o emprego, Mannix se vê especialmente pressionado durante as gravações de um novo épico do seu estúdio. Mesmo com o repentino desaparecimento de um dos seus atores mais famosos, Baird Whitlock (George Clooney), ele ainda tem que lidar com diversos outros problemas no meio tempo.
Na realidade, Hail, Caesar! é uma obra um pouco mais complicada do que aparenta. Não digo isso por ser uma comédia intelectualizada demais – o que de certo modo não deixa de ser verdade –, mas porque o gênero em que se encaixa ainda está muito calcado em expectativas a respeito do fluxo da narrativa, coisa com a qual os Coen não estão lá muito preocupados. Neste filme, eles efetivamente parodiam alguns clássicos da ‘era de prata’ do cinema com longos números musicais que não levam a lugar algum e cenas que não adicionam nada à ‘trama central’.
Para muita gente, a ausência de um arco dramático ou de um verdadeiro propósito para as dezenas de participações especiais de grandes nomes de Hollywood pode incomodar. Afinal, já que se você vai contratar Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Tilda Swinton e tantos outros, é melhor dar bons personagens para eles, não é mesmo? Por mais que eu não sinta que os atores tenham sido desperdiçados, já que efetivamente todos tem alguma substância palpável, é inevitável pensar que o tempo de cena é um pouco curto para boa parte dos coadjuvantes. Ou seja, o filme poderia muito bem ter trocado alguns desses pequenos arcos por uma trama mais densa.
Mas aí está o grande porém. Hail, Caesar! está bem ciente daquilo que muitos apontam como falhas, sendo algo muito mais próximo de A Serious Man do que de The Big Lebowski. Há uma ‘ausência de propósito’ que nos empurra para o absurdo do mudando, o que arrisca a atenção de boa parte do público. Mas o filme se torna consideravelmente mais interessante se o expectador é capaz de dialogar com a sátiras e/ou se conhece algo a respeito desse período do cinema estadunidense, com seus personagens claramente parodiando grandes figuras da época, como Esther Williams e Gene Kelly (e quase todos os personagens do filme tem um paralelo na vida real), ao mesmo tempo em que é capaz de ver graça em discussões religiosas e políticas onde não há uma punch line real, apenas uma ênfase sutil nos absurdos inerentes a esse tipo de discurso.
Pessoalmente, achei Hail, Caesar! especialmente palatável e divertido, mas admito que a linguagem desse filme é muito mais próxima a mim do que obras anteriores dos Coen. Assim, uma recomendação mais pontual está fora de questão. Mas mesmo que esse esteja longe de ser o filme mais profundo e interessante da filmografia dos dois irmãos, Hail, Caesar! ainda guarda boa parte das qualidades que os consagraram, merecendo uma chance se você estiver disposto a ver o filme com os olhos certos.
Outras divagações:
Fargo
The Big Lebowski
A Serious Man
True Grit
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Hail, Caesar!, com seu ar de farsa e pastiche e seu tema extremamente promissor, anda por fora do radar por aqui. Na verdade, também ‘lá fora’ as críticas estão longe de uma unanimidade – mesmo entre os fãs de longa data da dupla de cineastas existe certo atrito. Mas ao ver o filme compreendi essa polarização: essa não é uma obra para todo mundo e depende muito mais do senso de humor e do conhecimento prévio do expectador do que de seus próprios méritos.
No filme, acompanhamos um dia na vida atribulada de Eddie Mannix (Josh Brolin), um produtor de Hollywood nos anos 1950 cujo trabalho é controlar egos, abafar escândalos e permitir que os longas-metragens sejam filmados conforme o esperado. Um pouco desiludido com o emprego, Mannix se vê especialmente pressionado durante as gravações de um novo épico do seu estúdio. Mesmo com o repentino desaparecimento de um dos seus atores mais famosos, Baird Whitlock (George Clooney), ele ainda tem que lidar com diversos outros problemas no meio tempo.
Na realidade, Hail, Caesar! é uma obra um pouco mais complicada do que aparenta. Não digo isso por ser uma comédia intelectualizada demais – o que de certo modo não deixa de ser verdade –, mas porque o gênero em que se encaixa ainda está muito calcado em expectativas a respeito do fluxo da narrativa, coisa com a qual os Coen não estão lá muito preocupados. Neste filme, eles efetivamente parodiam alguns clássicos da ‘era de prata’ do cinema com longos números musicais que não levam a lugar algum e cenas que não adicionam nada à ‘trama central’.
Para muita gente, a ausência de um arco dramático ou de um verdadeiro propósito para as dezenas de participações especiais de grandes nomes de Hollywood pode incomodar. Afinal, já que se você vai contratar Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Tilda Swinton e tantos outros, é melhor dar bons personagens para eles, não é mesmo? Por mais que eu não sinta que os atores tenham sido desperdiçados, já que efetivamente todos tem alguma substância palpável, é inevitável pensar que o tempo de cena é um pouco curto para boa parte dos coadjuvantes. Ou seja, o filme poderia muito bem ter trocado alguns desses pequenos arcos por uma trama mais densa.
Mas aí está o grande porém. Hail, Caesar! está bem ciente daquilo que muitos apontam como falhas, sendo algo muito mais próximo de A Serious Man do que de The Big Lebowski. Há uma ‘ausência de propósito’ que nos empurra para o absurdo do mudando, o que arrisca a atenção de boa parte do público. Mas o filme se torna consideravelmente mais interessante se o expectador é capaz de dialogar com a sátiras e/ou se conhece algo a respeito desse período do cinema estadunidense, com seus personagens claramente parodiando grandes figuras da época, como Esther Williams e Gene Kelly (e quase todos os personagens do filme tem um paralelo na vida real), ao mesmo tempo em que é capaz de ver graça em discussões religiosas e políticas onde não há uma punch line real, apenas uma ênfase sutil nos absurdos inerentes a esse tipo de discurso.
Pessoalmente, achei Hail, Caesar! especialmente palatável e divertido, mas admito que a linguagem desse filme é muito mais próxima a mim do que obras anteriores dos Coen. Assim, uma recomendação mais pontual está fora de questão. Mas mesmo que esse esteja longe de ser o filme mais profundo e interessante da filmografia dos dois irmãos, Hail, Caesar! ainda guarda boa parte das qualidades que os consagraram, merecendo uma chance se você estiver disposto a ver o filme com os olhos certos.
Outras divagações:
Fargo
The Big Lebowski
A Serious Man
True Grit
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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