Divagações: Persuasion
14.6.16
Lembro quando estava escrevendo sobre Sense and Sensibility e comecei a pesquisar sobre adaptações de livros de Jane Austen para o cinema. Inicialmente, o que me surpreendeu foi um dos meus críticos favoritos mencionando que Persuasion era melhor que o outro filme, uma comparação válida já que ambos foram lançados no mesmo ano. Depois, percebi que ele não era o único a pensar assim e que, para muitos, essa é a melhor versão que a autora já recebeu em forma de longa-metragem.
Filmado inicialmente para a televisão na Inglaterra, Persuasion é derivado do último romance de Jane Austen, considerado também sua obra mais madura. A recepção foi tão positiva, que o filme – dirigido por Roger Michell e com roteiro de Nick Dear – foi lançado nos cinemas ao redor do mundo. Vale acrescentar que essa não é uma ‘produção barata’, tendo sido filmado em completamente em locação e com iluminação natural, dois fatores que encarecem consideravelmente um filme. Além disso, por mais que poucos nomes do elenco sejam conhecidos fora do Reino Unido, não se pode desconsiderar a tradição da atuação nesses países.
A história é bastante fiel ao livro. Anne Elliot (Amanda Root) é uma moça sensível e de boa família que era muito apegada à mãe, falecida há alguns anos. Seu pai (Corin Redgrave) e sua irmã (Phoebe Nicholls) vivem mais do nome da família que do dinheiro, já que esbanjaram grande parte da antiga riqueza que possuíam. A única pessoa com quem Anne tem mais afinidade é uma vizinha, Lady Russell (Susan Fleetwood), que exerce grande influência sobre suas percepções e inseguranças.
Contudo, há um ressentimento vivo em Anne. Há alguns anos, ela se apaixonou por Frederick Wentworth (Ciarán Hinds) e sabia que o carinho era recíproco. Os dois, no entanto, acabaram não se casando porque o rapaz não tinha uma situação financeira e nem uma posição na sociedade que Lady Russell considerasse vantajosas. Forçada a fazer uma viagem para Bath, um lugar adequado para que sua família se recupere financeiramente sem grandes mudanças de estilo de vida, ela acaba cruzando novamente não apenas com Wentworth, mas com um jovem rico e herdeiro das propriedades de seu pai, William Elliot (Samuel West), o qual passa a dedicar atenções especiais à moça.
Diferente de outras protagonistas cheias de personalidade, inteligência e atitude, Anne é insegura, angustiada, medrosa e tem dificuldades em agir, deixando que as pessoas se aproveitem de sua boa vontade. Isso provavelmente explica a carência de adaptações dessa obra, embora não seja difícil encontrar mulheres (e homens, por que não?) que se identifiquem com a personagem; uma pessoa perdida dentro de um círculo social que não lhe dá espaço para ser quem realmente é e repleto de pessoas que ela tem dificuldade em respeitar.
Uma característica interessante desse filme é que não se trata de um grande romance, mas da história entre duas pessoas comuns. Não há paixões exacerbadas, momentos de loucura ou atitudes impensadas. Os protagonistas não querem chamar a atenção nem viver algo especial, eles querem ser felizes da melhor forma possível, sem provocar inconvenientes para ninguém nem transformar a sociedade. Ao mesmo tempo, eles são resultantes de um mundo mudado. Os antigos ricos precisam ceder espaço para aqueles que realmente têm dinheiro, os hábitos de vida precisam mudar e a educação carece de novas perspectivas.
Como isso pode se transformar em um bom filme? Eu normalmente diria que o truque está nos diálogos, mas é preciso considerar uma protagonista tímida e que mal consegue se expressar. Na verdade, o segredo está em uma história incrivelmente bem construída, repleta de camadas e capaz de reviravoltas – pequenas, mas relevantes. A arte está em contar bem uma história, por mais simples que ela seja ou por mais modestos que sejam seus personagens, como é o caso em Persuasion.
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