Divagações: Beauty and the Beast
28.3.17
Quando na dúvida, minha recomendação geral é esperar o filme sair em Blu-Ray ou na Netflix. Afinal, para quê gastar o preço do ingresso com algo que pode simplesmente não valer a pena para você? Com Beauty and the Beast, eu tinha muitas dúvidas antes de pisar na sala de cinema. O filme não foi muito bem recebido inicialmente, mas acabou ganhando tração e não vi um consenso claro entre a opinião de pessoas em quem normalmente confio.
A história é exatamente a já conhecida. Belle (Emma Watson) é uma garota sonhadora que se sente deslocada em uma pequena cidade francesa. Quando seu pai, Maurice (Kevin Kline), acaba sendo feito prisioneiro em um castelo, ela se oferece para tomar seu lugar e fica sabendo que o local é amaldiçoado. Todos os funcionários foram transformados em móveis e itens decorativos (que podem se mexer e falar à vontade), enquanto o príncipe (Dan Stevens) assumiu uma forma bestial. A transformação está prestes a se tornar permanente, pois ninguém conseguiu quebrar o feitiço, mas ela pode ser a peça que faltava. Ao mesmo tempo, os moradores da cidadezinha, liderados por Gaston (Luke Evans), estão se organizando para ir ao castelo e matar a fera que o habita.
Mas será que esse é um filme sem graça, simplesmente feito com base em uma decisão marqueteira e gananciosa da Disney? É fiel à animação? E essa fidelidade (ou falta de) é um fator positivo ou negativo? A ‘polêmica’ envolvendo o personagem gay tem algum fundamento? Além disso, a história tem uma natureza complicada por si só. Ver ela com atores de verdade vai deixar uma incômoda sensação de que se trata de um caso de Síndrome de Estocolmo? É um musical ou não? A escolha da Emma Watson foi acertada para o papel? Aliás, o restante do elenco é bem interessante. Mas eles entregam alguma coisa ou são apenas participações especiais de luxo?
Depois de ter ido conferir, vou responder aos meus próprios questionamentos! Sim, o filme não precisaria existir e faz parte dessa estratégica estranha, mas bastante lucrativa da Disney, que está refilmando/reinventando suas animações mais queridas. Ao mesmo tempo, se você já viu a animação diversas vezes e o que você busca é justamente uma forma de rever essa história como se fosse a primeira vez (ou quase isso), Beauty and the Beast é um bom caminho.
Aliás, a produção é bastante fiel à original. Há muitos enquadramentos idênticos e, obviamente, os temas musicais são explorados à exaustão. Isso faz com que até corações em dúvida – como o meu – não demorem a se render à magia do filme e acabem se entregando a uma produção que, é preciso admitir, está se esforçando para contar uma história muito amada. Há, obviamente, algumas diferenças e elas funcionam para ajudar na fluidez do filme, fazendo pouca diferença no contexto geral. A mudança mais marcante talvez seja o eterno inverno que rodeia o castelo (já que, no filme de 1991, as estações ficavam bem claras), mas isso ajuda a criar uma estética própria para o lugar e também impacta em outro ponto, que comentarei adiante.
Dito isso, a suposta ‘mudança’ na sexualidade de LeFou (Josh Gad) – vamos combinar que ela não era clara desde o princípio – é usada de uma forma bastante leve e funciona como um alívio cômico nas poucas cenas em que é explorada. Sinceramente, achei que deixar essa situação clara dá uma perspectiva bem mais interessante para o personagem, que vai de um oprimido braço direito de Gaston para alguém bem mais empoderado. Ao final das contas, é um arco dramático coadjuvante que se enquadra muito bem no todo. E se você é um pai que se preocupa com isso, eu tenho dó dos seus filhos (é um filme da Disney sobre uma mulher e uma criatura que nem é exatamente humana e você se preocupa com dois homens juntos?).
Aproveitando a deixa, o filme tenta se desviar sempre que possível das possíveis acusações de que Belle sofre de Síndrome de Estocolmo. Isso envolve não a colocar em uma posição de vulnerabilidade diante de seu captor e, também, em diminuir desde o princípio o caráter ameaçador dele. Para isso, temos as opiniões dos funcionários do castelo e uma justificativa mais emocional para a prisão de Maurice. Além disso, o eterno inverno (disse que iria voltar para esse ponto!) minimiza a sensação de passar do tempo, dando a impressão de que a moça passa apenas alguns dias no local, em vez de vários e vários meses como ficava evidente na animação.
Com relação às músicas, elas não são apenas pano de fundo nessa adaptação. A produção sabe que essa história funcionou muito bem nos palcos como um musical e decidiu se aproveitar disso aqui também. Há ainda mais canções que na animação e, em determinados momentos, o filme chega a ter música atrás de música. Ou seja: esse é um prato cheio para quem gosta do gênero.
Tendo isso em mente, muita gente se questionou se Emma Watson era realmente a melhor escolha para interpretar a heroína. A verdade é que ela não é a atriz mais bonita disponível e nem a com maior poderio vocal – dois aspectos essenciais para o longa-metragem. Mas acho que, aqui, temos outro ponto a considerar: o que ela representa. Watson carrega consigo a imagem de uma jovem esforçada, estudiosa e corajosa. Tanto em sua personagem mais conhecida – Hermione Granger, alguém? – quanto em sua vida pessoal, ela lutou pelas causas em que acredita e expressou a importância dos livros. Nesse ponto, talvez não aja ninguém que seja mais adequada para levar Belle aos cinemas.
Para completar, todo o elenco de Beauty and the Beast foi composto por nomes estelares. Há quem se incomode (e não sem razão) com o falso sotaque francês de Ewan McGregor, mas isso ficou ótimo para dar um caráter canastrão a Lumière. Outra escolha particularmente interessante foi Emma Thompson. Sua Mrs. Potts é uma mãezona com um humor muito particular, de modo que não consigo pensar em uma opção melhor. Infelizmente, talvez Cogsworth (Ian McKellen) seja o personagem que mais sofreu com as mudanças. Mas Audra McDonald, Stanley Tucci e Gugu Mbatha-Raw, ainda que em papéis menores, também encontram seus momentos para brilhar. De maneira geral, cada membro do elenco conseguiu deixar sua marca no filme.
Resumindo: eu me rendi a Beauty and the Beast. Por mais que eu não esteja muito feliz com essa onda de adaptações das animações que marcaram a minha infância, preciso admitir que a Disney está fazendo trabalhos caprichosos e cuidados, entendendo as demandas de cada público e atingindo seus objetivos. Essa produção poderia ser completamente diferente. Uma adaptação do musical da Broadway, com vozeirões poderosos, por exemplo, poderia funcionar bem. Mas optar por valorizar as ideias, os personagens e o humor com tanta força quanto a dedicada às canções acabou se mostrando o caminho mais acertado.
A história é exatamente a já conhecida. Belle (Emma Watson) é uma garota sonhadora que se sente deslocada em uma pequena cidade francesa. Quando seu pai, Maurice (Kevin Kline), acaba sendo feito prisioneiro em um castelo, ela se oferece para tomar seu lugar e fica sabendo que o local é amaldiçoado. Todos os funcionários foram transformados em móveis e itens decorativos (que podem se mexer e falar à vontade), enquanto o príncipe (Dan Stevens) assumiu uma forma bestial. A transformação está prestes a se tornar permanente, pois ninguém conseguiu quebrar o feitiço, mas ela pode ser a peça que faltava. Ao mesmo tempo, os moradores da cidadezinha, liderados por Gaston (Luke Evans), estão se organizando para ir ao castelo e matar a fera que o habita.
Mas será que esse é um filme sem graça, simplesmente feito com base em uma decisão marqueteira e gananciosa da Disney? É fiel à animação? E essa fidelidade (ou falta de) é um fator positivo ou negativo? A ‘polêmica’ envolvendo o personagem gay tem algum fundamento? Além disso, a história tem uma natureza complicada por si só. Ver ela com atores de verdade vai deixar uma incômoda sensação de que se trata de um caso de Síndrome de Estocolmo? É um musical ou não? A escolha da Emma Watson foi acertada para o papel? Aliás, o restante do elenco é bem interessante. Mas eles entregam alguma coisa ou são apenas participações especiais de luxo?
Depois de ter ido conferir, vou responder aos meus próprios questionamentos! Sim, o filme não precisaria existir e faz parte dessa estratégica estranha, mas bastante lucrativa da Disney, que está refilmando/reinventando suas animações mais queridas. Ao mesmo tempo, se você já viu a animação diversas vezes e o que você busca é justamente uma forma de rever essa história como se fosse a primeira vez (ou quase isso), Beauty and the Beast é um bom caminho.
Aliás, a produção é bastante fiel à original. Há muitos enquadramentos idênticos e, obviamente, os temas musicais são explorados à exaustão. Isso faz com que até corações em dúvida – como o meu – não demorem a se render à magia do filme e acabem se entregando a uma produção que, é preciso admitir, está se esforçando para contar uma história muito amada. Há, obviamente, algumas diferenças e elas funcionam para ajudar na fluidez do filme, fazendo pouca diferença no contexto geral. A mudança mais marcante talvez seja o eterno inverno que rodeia o castelo (já que, no filme de 1991, as estações ficavam bem claras), mas isso ajuda a criar uma estética própria para o lugar e também impacta em outro ponto, que comentarei adiante.
Dito isso, a suposta ‘mudança’ na sexualidade de LeFou (Josh Gad) – vamos combinar que ela não era clara desde o princípio – é usada de uma forma bastante leve e funciona como um alívio cômico nas poucas cenas em que é explorada. Sinceramente, achei que deixar essa situação clara dá uma perspectiva bem mais interessante para o personagem, que vai de um oprimido braço direito de Gaston para alguém bem mais empoderado. Ao final das contas, é um arco dramático coadjuvante que se enquadra muito bem no todo. E se você é um pai que se preocupa com isso, eu tenho dó dos seus filhos (é um filme da Disney sobre uma mulher e uma criatura que nem é exatamente humana e você se preocupa com dois homens juntos?).
Aproveitando a deixa, o filme tenta se desviar sempre que possível das possíveis acusações de que Belle sofre de Síndrome de Estocolmo. Isso envolve não a colocar em uma posição de vulnerabilidade diante de seu captor e, também, em diminuir desde o princípio o caráter ameaçador dele. Para isso, temos as opiniões dos funcionários do castelo e uma justificativa mais emocional para a prisão de Maurice. Além disso, o eterno inverno (disse que iria voltar para esse ponto!) minimiza a sensação de passar do tempo, dando a impressão de que a moça passa apenas alguns dias no local, em vez de vários e vários meses como ficava evidente na animação.
Com relação às músicas, elas não são apenas pano de fundo nessa adaptação. A produção sabe que essa história funcionou muito bem nos palcos como um musical e decidiu se aproveitar disso aqui também. Há ainda mais canções que na animação e, em determinados momentos, o filme chega a ter música atrás de música. Ou seja: esse é um prato cheio para quem gosta do gênero.
Tendo isso em mente, muita gente se questionou se Emma Watson era realmente a melhor escolha para interpretar a heroína. A verdade é que ela não é a atriz mais bonita disponível e nem a com maior poderio vocal – dois aspectos essenciais para o longa-metragem. Mas acho que, aqui, temos outro ponto a considerar: o que ela representa. Watson carrega consigo a imagem de uma jovem esforçada, estudiosa e corajosa. Tanto em sua personagem mais conhecida – Hermione Granger, alguém? – quanto em sua vida pessoal, ela lutou pelas causas em que acredita e expressou a importância dos livros. Nesse ponto, talvez não aja ninguém que seja mais adequada para levar Belle aos cinemas.
Para completar, todo o elenco de Beauty and the Beast foi composto por nomes estelares. Há quem se incomode (e não sem razão) com o falso sotaque francês de Ewan McGregor, mas isso ficou ótimo para dar um caráter canastrão a Lumière. Outra escolha particularmente interessante foi Emma Thompson. Sua Mrs. Potts é uma mãezona com um humor muito particular, de modo que não consigo pensar em uma opção melhor. Infelizmente, talvez Cogsworth (Ian McKellen) seja o personagem que mais sofreu com as mudanças. Mas Audra McDonald, Stanley Tucci e Gugu Mbatha-Raw, ainda que em papéis menores, também encontram seus momentos para brilhar. De maneira geral, cada membro do elenco conseguiu deixar sua marca no filme.
Resumindo: eu me rendi a Beauty and the Beast. Por mais que eu não esteja muito feliz com essa onda de adaptações das animações que marcaram a minha infância, preciso admitir que a Disney está fazendo trabalhos caprichosos e cuidados, entendendo as demandas de cada público e atingindo seus objetivos. Essa produção poderia ser completamente diferente. Uma adaptação do musical da Broadway, com vozeirões poderosos, por exemplo, poderia funcionar bem. Mas optar por valorizar as ideias, os personagens e o humor com tanta força quanto a dedicada às canções acabou se mostrando o caminho mais acertado.
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