Divagações: T2 Trainspotting

Vinte anos se passaram e Trainspotting ainda se sustenta como uma obra tremendamente provocativa e intensa, tendo se tornado um clássico ...

Vinte anos se passaram e Trainspotting ainda se sustenta como uma obra tremendamente provocativa e intensa, tendo se tornado um clássico cult dos anos 1990 e colocado Danny Boyle no mapa do cinema mundial. A ideia de uma continuação, apesar de não ser exatamente nova (o próprio autor do romance original, Irvine Welsh, escreveu um livro em 2002 que serve a esse propósito e no qual esse filme levemente se baseia), soa-me tremendamente desnecessária, já que Trainspotting é suficientemente autocontido e qualquer tentativa de fechar buracos pode estragar o tênue balanço em que o filme original se sustenta.

Mas bem, nada que tenha impedido o elenco e boa parte da equipe original de voltarem para T2 Trainspotting, um filme que nos apresenta o que aconteceu tantos anos depois de Renton (Ewan McGregor) trair seus amigos e fugir com uma sacola de dinheiro rumo ao horizonte. Aqui descobrimos que muita coisa mudou, mas outras tantas permaneceram iguais. Begbie (Robert Carlyle) estava preso por homicídio, Simon (Jonny Lee Miller) continua sua carreira na trambicagem e na criminalidade e Spud (Ewen Bremner) sofre com as consequências de décadas de uso de heroína. O equilíbrio desse grupo é quebrado com a volta de Renton para Edimburgo, fazendo que rancores e amizades reaparecem, dividindo os personagens entre seus arrependimentos e a possibilidade de seguir em frente com suas vidas.

É especialmente complicado falar de T2 Trainspotting porque esse é um filme que depende do original. Muitas cenas são repetidas, referências visuais reaproveitadas e diálogos reencenados ou recontextualizados – com diferentes graus de sucesso. Ainda que busque resgatar a essência do que tornou Trainspotting interessante, o novo filme soa por vezes muito forçado – investindo demais na nostalgia –, talvez por não conseguir ser exatamente o seu próprio filme, não tendo aquele frescor que esperávamos dele.

Enquanto seu predecessor é um filme intenso sobre juventude, excessos e descobertas, esse é um filme sobre envelhecer e encarar o passado. Mas a própria ênfase da obra em nos lembrar do que aconteceu demonstra que aqueles personagens talvez sejam incapazes de legitimamente seguir em frente e amadurecer (com a surpreendente exceção de Spud, que tem de longe o mais interessante e tocante arco dramático entre os personagens, distanciando-se do mero alívio cômico que foi no filme de 1996). Ainda que isso tenha todo um sentido metafórico, não é algo que torna o filme exatamente melhor.

T2 Trainspotting é o tipo de longa-metragem que, pelo contraste, consegue enfatizar todas as coisas que tornaram Trainspotting um bom filme. As atuações aqui estão muito mais polidas e compassadas, mas isso faz com que a crueza que tínhamos antes com um elenco jovem e inexperiente se perca. A direção é menos experimental (ainda que no mesmo estilo que hoje esperamos de Danny Boyle), mas também menos impactante e sem nenhuma sequência com o mesmo peso de várias das sequências famosas de Trainspotting. Até mesmo a narração de Renton faz falta, deixando certo vazio nas interações dos personagens.

Não quer dizer que o filme não tenha qualidades, sendo bem realizado e conseguindo capturar bem o sentimento que alguém que se envolveu com o filme na época pode ter ao analisar sua vida atual. Afinal, vemos um período que, como o final do filme bem representa, era repleto de possibilidades e absolutamente incerto, mas que passa a dar lugar a uma espécie de cinismo anestesiado, algo que a vida adulta carrega consigo. Nesse sentido, sim, a nova produção mostra seu valor, dando uma ótica diferente àqueles personagens e acontecimentos, que passam a ser vistos de um futuro que não era necessariamente o desejado.

Se Trainspotting marcou você de alguma forma, essa é uma visão interessante, porém não exatamente necessária daquele universo. Querendo ou não, tudo está diferente e não vai corresponder exatamente o que se espera, podendo decepcionar alguns de seus fãs mais fervoroso. De algum jeito, T2 Trainspotting é uma metáfora para si mesmo, uma tentativa fútil de recapturar um momento mágico no tempo onde tudo ressoava de modo mais verdadeiro e intenso, mas que – ao falhar em fazê-lo – também tem uma série de coisas a dizer.

Outras divagações:
127 Hours
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Steve Jobs

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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