Divagações: Doctor Strange

Chegou o momento de assumirmos que nada no universo cinematográfico da Marvel faz sentido. Já se foi o tempo em que se tentava dar um ar ...

Chegou o momento de assumirmos que nada no universo cinematográfico da Marvel faz sentido. Já se foi o tempo em que se tentava dar um ar realista para as produções de super-heróis, deixando-as calcadas em nosso mundo. Agora, mais do que nunca, elas assumiram seu status de universo paralelo – e não estou vendo ninguém reclamando desse caminho. Aliás, o que percebo são pessoas chiando com as escolhas da concorrente, a DC Comics, que optou por cravar o pé em uma espécie de realismo emocional e se recusa a assumir um espírito mais leve e digno de personagens que usam fantasias coloridas para salvar o mundo.

Contudo, o objetivo aqui não é comentar a eterna rivalidade entre as duas companhias. Doctor Strange é um lançamento que caracteriza não apenas a cara da nova fase de filmes da Marvel – com mais elementos fantásticos e assumidamente engraçados –, mas também é essencial para medir até onde o estúdio pode ir sem perder seu público de vista. Enquanto Guardians of the Galaxy explora um espaço sideral repleto de elementos bizarros, cores e músicas dos anos 1980, este novo filme está aqui na Terra, misturando ciência com religião e com magia.

Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um médico neurocirurgião muito bom. Ele se dá ao luxo de escolher pacientes e sabe que é o melhor naquilo que faz – uma noção que apenas ajuda a inflar ainda mais seu ego e o afasta da única pessoa que ainda lhe oferece amizade, sua colega Christine Palmer (Rachel McAdams). Entretanto, ele acaba envolvido em um acidente de carro e suas preciosas e precisas mãos sofrem com as sequelas.

Desesperado, ele recorre a todos os meios possíveis para encontrar a cura, até que acaba no Nepal, na porta de uma pessoa conhecida simplesmente como The Ancient One (Tilda Swinton). Eventualmente ela o recebe e o inicia em um treinamento que abre sua mente para um mundo com outras dimensões, relíquias mágicas e a possibilidade de manipulação das leis da natureza. No processo, ele entra em contato não só com o fiel seguidor Mordo (Chiwetel Ejiofor) e com o sério bibliotecário Wong (Benedict Wong), mas também com o rebelde e poderoso Kaecilius (Mads Mikkelsen), que pretende fazer de tudo para alcançar a imortalidade, mesmo que isso envolva matar muita gente. Ainda bem que, como médico, Strange jurou que trabalharia sempre para salvar vidas.

A trama não é das mais complexas, mas isso é para o bem do próprio filme. Há elementos demais sendo apresentados o tempo todo e o visual é tão repleto de informações que podemos nos dar ao luxo de engolir uma boa quantidade de bobagens. Aliás, eu tinha um pouco de receio de que Doctor Strange fosse exagerar nos malabarismos com a paisagem (quem viu os trailers e pôsteres têm uma noção do que estou falando), mas as sequências são bem equilibradas e acho que (quase) ninguém deve ficar tonto – mesmo nas sessões em 3D.

Aliás, o filme é convertido para a exibição em três dimensões, de modo que não existe nada muito impressionante vindo em sua direção e fica uma sensação de que as sequências poderiam ser melhor exploradas nesse sentido. Ainda assim, trata-se de um filme muito caprichado visualmente e isso acaba compensando o valor mais alto do ingresso.

Indo além da parte visual, é preciso comentar o protagonista. Por mais que ele tenha uma personalidade absolutamente odiosa, Benedict Cumberbatch consegue tornar seu personagem cativante. Ele, obviamente, está em uma situação fragilizada e o vemos falhar – mas claro que isso não dura muito tempo. Isso sem contar que o texto tem um humor particularmente ácido, que funciona muito bem dentro do contexto e garante que a situação toda não se leve muito a sério.

A propósito, quem desconfiava da escolha de Scott Derrickson para a direção (e para a equipe de roteiro) também pode respirar com alívio. Ainda que ele fosse mais conhecido pelas produções de terror, seu trabalho em Doctor Strange mostrou que não faltou habilidade para misturar efeitos visuais com uma boa história, mantendo um ritmo constante, do tipo que deixa o espectador com vontade de não precisar piscar.

Para quem é fascinado por cenas de ação, talvez o filme deixe um pouco a desejar pela falta de brigas corpo a corpo ou grandes perseguições. Mas isso não quer dizer que não exista uma boa dose de ação. Nesse caso, há magia para os conflitos diretos e o corre-corre costuma se concentrar em ambientes menores, o que não diminui a diversão. Talvez a capa seja um pouco demais em algumas sequências, mas é preciso admitir que ela dá um charme muito próprio ao personagem.

Doctor Strange talvez não seja o melhor filme da Marvel, mas ele se encaixa muito bem no atual panteão do estúdio. Resta saber como exatamente ele irá ser interligado com as demais produções, mas não duvido que vamos engolir facilmente uma desculpa qualquer. Até porque a primeira das cenas pós-créditos (são duas, não levante da poltrona antes da hora!) já dá uma boa ideia de como isso pode acontecer.

Outras divagações:
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Captain America: The First Avenger
Captain America: The Winter Soldier
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