Divagações: L'écume des jours

Meu primeiro contato com L'écume des jours foi com o livro no qual o filme é baseado. Não me recordo se, naquele momento, eu já tinh...

Meu primeiro contato com L'écume des jours foi com o livro no qual o filme é baseado. Não me recordo se, naquele momento, eu já tinha conhecimento de que um filme estava em produção. Ainda assim, lembro que pensei na dificuldade da adaptação cinematográfica de uma obra como essa, repleta de metáforas e figuras de linguagem, além de dotada de uma imagética surrealista. Como transformar algo assim em imagens? Seria válido impor uma interpretação e colocá-la diretamente na frente de um espectador sem que ele tenha tempo para compreender todas as possibilidades do que efetivamente está assistindo?

Ao mesmo tempo, quando as primeiras imagens do filme de Michel Gondry começaram a circular, eu logo me apaixonei. Talvez a adaptação não fosse totalmente fiel ou até mesmo digna do livro, mas era perceptível que se tratava de uma produção bem cuidada e repleta de boas intenções. Ao finalmente assistir a L'écume des jours, não me decepcionei. O longa-metragem transforma a viagem literária em um maravilhoso passeio visual. É impossível não se encantar com cada novo quadro ou conceito.

Colin (Romain Duris) é um homem com uma fortuna razoável, que vive confortavelmente em Paris sem precisar trabalhar. Ele tem a seu dispor a figura do cozinheiro, assistente e advogado Nicolas (Omar Sy) e convive com seu melhor amigo Chick (Gad Elmaleh), um homem que transformou sua admiração pelo escritor Jean-Sol Partre (Philippe Torreton) em uma idolatria compulsiva. Nesse mundo, os raios de sol são palpáveis, comidas dançam, tudo é muito colorido e há uma livraria a cada esquina. Tudo é lindo! E um tanto quanto irreal também.

Assim, quando Chick começa a namorar com Alise (Aïssa Maïga), Colin decide que também quer se apaixonar e acaba encontrando Chloé (Audrey Tautou). Os dois se casam sem demora e tudo vai muito bem, até o momento em que Chloé fica doente e Colin começa a usar sua fortuna para tentar curá-la, desgastando-se financeira, física e mentalmente pela mulher que ama. De repente, o mundo passa a ser fútil, as discussões acadêmicas se tornam vazias e tudo fica menos colorido.

Sem se preocupar com as tecnologias atuais, o diretor Michel Gondry coloca em L'écume des jours uma espécie de futuro seiscentista (a publicação original é de 1947), algo que funciona muito bem com a característica utópica da narrativa. Ao mesmo tempo, é impossível determinar um período específico para a história. Ela pode se passar em qualquer momento, com qualquer jovem parisiense com uma vida razoavelmente arranjada.

As soluções visuais encontradas na transposição das páginas para a tela são muito criativas e, por vezes, parecem tão irreais e destoantes quanto deveriam ser – afinal, há uma camada de açúcar e celofane que cobre a perspectiva do protagonista. Ao mesmo tempo, suponho que L'écume des jours seria mais feliz se fosse possível vê-lo ao contrário. Seria mais uma daquelas produções cheias de esperança e amor que encontramos por aí.

Não que a produção seja exatamente um banho de água fria. Esse não é o típico filme feliz hollywoodiano e há certo prazer em quebrar as expectativas. Mas L'écume des jours é, sim, uma verdadeira homenagem ao escritor Boris Vian e uma experiência inesquecível para quem não esqueceu o que é ter imaginação e ser capaz de viver em um mundo melhor do que aquele criado por outros.

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