Divagações: Phantom Thread
20.2.18
Mesmo estando um pouco fora do radar no meio de uma enxurrada de grandes filmes, uma colaboração entre Daniel Day-Lewis e Paul Thomas Anderson é sempre algo para se ficar atento, especialmente quando há grandes chances de que esse seja o último filme antes da aposentadoria do ator.
Paul Thomas Anderson, por si só, é um cineasta com uma obra que eu admiro profundamente e que sempre consegue trazer coisas interessantes e frescas a mesa – e Phantom Thread não deveria ser algo muito diferente. Porém, esse "não deveria ser muito diferente" assumiu alguns contornos bem distintos do que eu esperava. Por mais que o longa-metragem seja excepcional em vários aspectos, ele é atrapalhado justamente por sua convencionalidade.
A história se passa na Inglaterra, em algum ponto indeterminado dos anos 1950 e gravita ao redor de Reynolds Woodcock (Day-Lewis), um costureiro e estilista que trabalha para a nobreza e burguesia britânica, sendo uma figura comum nos altos círculos da alta sociedade inglesa. Ele é consumido pela obsessão para com seu ofício e pelos seus relacionamentos conturbados, adotando a solteirice como um estandarte inabalável do seu ser – isso é, até conhecer Alma (Vicky Krieps), uma garçonete de uma cidade interiorana que logo se torna sua musa e amante e que chacoalha completamente sua vida, para o bem ou para o mal.
Phantom Thread cativa por suas ótimas atuações, não há como se dizer outra coisa. Ainda que, a essa altura, Daniel Day-Lewis seja basicamente infalível, Vicky Krieps não fica muito atrás e consegue servir como um contraponto ao personagem de Day-Lewis, dando nuances e camadas às interações de ambos os personagens. Por sua vez, Lesley Manville, que interpreta a irmã do protagonista, não tem tanto destaque, mas possui um papel fundamental nesse aspecto mais psicológico do desenvolvimento dos personagens, sendo a ponte que faz a dinâmica funcionar.
Tanto a direção quanto a fotografia, assinadas pelo próprio Paul Thomas Anderson (que também assina o roteiro), são muito elegantes e enfatizam o aspecto aristocrático que o filme representa em suas entrelinhas. É engraçado ver como The Master – outro filme do cineasta –, mesmo tendo algumas similaridades técnicas nas composições a na escolha de cores, tem um clima completamente distinto por conta de algumas dessas pequenas decisões. Ainda mais quando se considera que ambas as obras se passam no mesmo período e têm um subtexto bastante parecido sobre obsessão.
O problema de Phantom Thread, porém, está em algumas escolhas do roteiro, na maneira como certos temas são abordados e no ritmo lento que, mesmo exacerbando certas das qualidades descritas anteriormente, torna o desenvolvimento da história um tanto moroso. Afinal, para um filme que se preza em dizer que "uma casa que nunca muda é uma casa morta", a produção tem pudores demais em alterar algo em seus personagens. A despeito de mudanças superficiais de estado, eles saem da trama piores do que entraram, menos passíveis de empatia e menos interessantes, de modo que é difícil se importar com os seus destinos. Isso sem contar algumas representações problemáticas de um relacionamento altamente abusivo e tóxico, o que torna ainda mais complicado para o público se identificar.
Para completar, o tema da alta costura é apenas ornamental e não sinto que ele acrescente algo à história de modo mais profundo. Em último caso, o filme se torna mais uma obra sobre um artista atormentado pela sua busca da perfeição, que é algo já um tanto quanto batido.
Além disso, alguns elementos da dimensão psicológica dos personagens também acabam sendo jogados para escanteio durante o filme. Um exemplo é a relação de Reynolds com a mãe já morta e o leve tom sobrenatural que isso tem durante o filme. Essa questão é abordada, mas praticamente não vai a lugar algum e não influencia na trama central, sendo puro potencial desperdiçado.
Para um filme que tinha tudo para ser excelente, Phantom Thread fica aquém de sua promessa, sucumbindo sobre o peso das suas próprias expectativas. É um filme ruim? De modo algum, mas ele é estranhamente inconclusivo e derivativo para o que deveria ser o papel final da vida de um dos atores mais reconhecidos da atualidade. Falta a Phantom Thread peso, gravidade e tensão, algo que capitalize nas suas forças e o torne único. Sem isso, o longa-metragem acaba sendo apenas uma carinha bonita e elegante, mas um pouco enfadonha.
Outras divagações:
Punch-Drunk Love
The Master
Inherent Vice
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Paul Thomas Anderson, por si só, é um cineasta com uma obra que eu admiro profundamente e que sempre consegue trazer coisas interessantes e frescas a mesa – e Phantom Thread não deveria ser algo muito diferente. Porém, esse "não deveria ser muito diferente" assumiu alguns contornos bem distintos do que eu esperava. Por mais que o longa-metragem seja excepcional em vários aspectos, ele é atrapalhado justamente por sua convencionalidade.
A história se passa na Inglaterra, em algum ponto indeterminado dos anos 1950 e gravita ao redor de Reynolds Woodcock (Day-Lewis), um costureiro e estilista que trabalha para a nobreza e burguesia britânica, sendo uma figura comum nos altos círculos da alta sociedade inglesa. Ele é consumido pela obsessão para com seu ofício e pelos seus relacionamentos conturbados, adotando a solteirice como um estandarte inabalável do seu ser – isso é, até conhecer Alma (Vicky Krieps), uma garçonete de uma cidade interiorana que logo se torna sua musa e amante e que chacoalha completamente sua vida, para o bem ou para o mal.
Phantom Thread cativa por suas ótimas atuações, não há como se dizer outra coisa. Ainda que, a essa altura, Daniel Day-Lewis seja basicamente infalível, Vicky Krieps não fica muito atrás e consegue servir como um contraponto ao personagem de Day-Lewis, dando nuances e camadas às interações de ambos os personagens. Por sua vez, Lesley Manville, que interpreta a irmã do protagonista, não tem tanto destaque, mas possui um papel fundamental nesse aspecto mais psicológico do desenvolvimento dos personagens, sendo a ponte que faz a dinâmica funcionar.
Tanto a direção quanto a fotografia, assinadas pelo próprio Paul Thomas Anderson (que também assina o roteiro), são muito elegantes e enfatizam o aspecto aristocrático que o filme representa em suas entrelinhas. É engraçado ver como The Master – outro filme do cineasta –, mesmo tendo algumas similaridades técnicas nas composições a na escolha de cores, tem um clima completamente distinto por conta de algumas dessas pequenas decisões. Ainda mais quando se considera que ambas as obras se passam no mesmo período e têm um subtexto bastante parecido sobre obsessão.
O problema de Phantom Thread, porém, está em algumas escolhas do roteiro, na maneira como certos temas são abordados e no ritmo lento que, mesmo exacerbando certas das qualidades descritas anteriormente, torna o desenvolvimento da história um tanto moroso. Afinal, para um filme que se preza em dizer que "uma casa que nunca muda é uma casa morta", a produção tem pudores demais em alterar algo em seus personagens. A despeito de mudanças superficiais de estado, eles saem da trama piores do que entraram, menos passíveis de empatia e menos interessantes, de modo que é difícil se importar com os seus destinos. Isso sem contar algumas representações problemáticas de um relacionamento altamente abusivo e tóxico, o que torna ainda mais complicado para o público se identificar.
Para completar, o tema da alta costura é apenas ornamental e não sinto que ele acrescente algo à história de modo mais profundo. Em último caso, o filme se torna mais uma obra sobre um artista atormentado pela sua busca da perfeição, que é algo já um tanto quanto batido.
Além disso, alguns elementos da dimensão psicológica dos personagens também acabam sendo jogados para escanteio durante o filme. Um exemplo é a relação de Reynolds com a mãe já morta e o leve tom sobrenatural que isso tem durante o filme. Essa questão é abordada, mas praticamente não vai a lugar algum e não influencia na trama central, sendo puro potencial desperdiçado.
Para um filme que tinha tudo para ser excelente, Phantom Thread fica aquém de sua promessa, sucumbindo sobre o peso das suas próprias expectativas. É um filme ruim? De modo algum, mas ele é estranhamente inconclusivo e derivativo para o que deveria ser o papel final da vida de um dos atores mais reconhecidos da atualidade. Falta a Phantom Thread peso, gravidade e tensão, algo que capitalize nas suas forças e o torne único. Sem isso, o longa-metragem acaba sendo apenas uma carinha bonita e elegante, mas um pouco enfadonha.
Outras divagações:
Punch-Drunk Love
The Master
Inherent Vice
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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