Divagações: Inside Llewyn Davis

Vida de músico não é fácil. Não é hoje em dia e não era nos anos 1960. Canções dificilmente enchem a barriga ou garantem um lugar para dor...

Vida de músico não é fácil. Não é hoje em dia e não era nos anos 1960. Canções dificilmente enchem a barriga ou garantem um lugar para dormir. Mas as pessoas continuam tentando, tropeçando, tentando de novo. Às vezes dá certo, às vezes elas desistem.

Inside Llewyn Davis se passa durante uma semana decisória na vida de um músico, mais especificamente, de um cantor folk que tenta a vida na Greenwich Village de 1961. Llewyn Davis (Oscar Isaac) lançou seu primeiro álbum solo depois do suicídio de seu parceiro musical e as coisas não têm sido fáceis. Ele dorme na casa de amigos e se apresenta sempre nos mesmos lugares. Ele sabe que é um bom músico, mas as vendas não decolam e o dinheiro está cada vez mais escasso.

Nessa semana específica, parece que tudo dá errado. Sem querer, Llewyn tranca o gato de um de seus benfeitores para fora de casa e passa a ter que andar com o bichano por aí. Um rapaz sem talento (Stark Sands) – mas de quem todo mundo parece gostar – vai dormir em um de seus sofás. A esposa de um amigo (Carey Mulligan) conta que está grávida, que o filho talvez seja dele e que quer um aborto. Então, ele descobre que talvez já tenha um filho de dois anos morando em uma cidade não muito distante. Nesse meio tempo, ele também perde o tal gato.

Mesmo o que parece ser uma boa nova vem com seus revezes. Seja a gravação de estúdio com seus amigos Jim (Justin Timberlake) e Al Cody (Adam Driver), seja a audição com o famoso Bud Grossman (F. Murray Abraham). Mesmo quando ele desiste e tenta mudar de vida, juntando-se à marinha mercante, surgem empecilhos em seu caminho.

Navegando entre o que poderia ser tanto uma comédia quanto uma história sobre depressão, Inside Llewyn Davis se encaixa bem entre a filmografia de Ethan Coen e Joel Coen. Os roteiristas e diretores dão um tom bastante próprio a essa história que não chega a ter um enredo bem definido, mas é um recorte interessante da vida de seu protagonista.

Ainda que o personagem principal tenha seus arroubos, os cineastas o apresentam inicialmente como uma página em branco ao público, desenvolvendo essa personalidade ao mesmo tempo em que criam o cenário a seu redor. Um dos melhores momentos nesse sentido é a viagem de carro em que ele vai de carona, acompanhando o poeta beat Johnny Five (Garrett Hedlund) e o músico de jazz Roland Turner (John Goodman).

Esse mundo – propositalmente invernal e amarronzado – é embalado, como não poderia deixar de ser, pelo ritmo folk. As canções, conforme é definido logo nas primeiras cenas do longa-metragem, são exemplos daquelas músicas que parecem que nunca foram novas, mas também nunca ficam velhas. Assim como Llewyn Davis, elas trazem uma melancolia cheia de esperança e representam um contexto muito maior do que elas mesmas.

Aliás, Inside Llewyn Davis funciona justamente como essas canções. Por mais que trate de um período de tempo bem determinado, o filme tem certo caráter atemporal, uma vez que os dilemas de seu protagonista são universais. A produção também não se ergue como uma obra-prima, mas demonstra a resistência de quem quer continuar sendo relevante por muito tempo. E acredito que terá mais sorte que seu protagonista.

Outro ponto importante do filme está em suas sequências finais. São elas, mais do que qualquer outro momento, que colocam Inside Llewyn Davis em um contexto muito específico e deixam claro que se trata de um momento de mudanças para todos – o que poderia até colocar em cheque o que eu disse no parágrafo anterior. Aquela pessoa que não consegue se encaixar é apenas mais um sintoma desse mundo em processo de mudança. Ele será invisível para os livros de história, mas tem seus inesperados minutos de fama em um filme como esse.

Outras divagações:
Fargo
The Big Lebowski
A Serious Man
True Grit
Hail, Caesar!

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