Divagações: Ex Machina

A ficção científica é um gênero que costuma me agrada mais na literatura que no cinema. Nos livros, não há uma limitação para o orçamento ...

A ficção científica é um gênero que costuma me agrada mais na literatura que no cinema. Nos livros, não há uma limitação para o orçamento dos efeitos visuais, não há a pressão dos produtores para que a obra seja acessível até mesmo para crianças e o gênio criativo pode se unir livremente ao nerd repleto de referências. Talvez seja justamente por isso que Ex Machina é um filme tão fantástico.

A produção marca a estreia do escritor e roteirista Alex Garland como diretor. Seus trabalhos anteriores incluíam conceitos muito bons, mas a probabilidade de ser o autor único de uma obra cinematográfica deu a ele um alcance ainda maior. Além de diversas referências bíblicas e a histórias da mitologia grega (especialmente Prometeu), o filme também alude à alegoria da caverna, de Platão, e ao livro Frankenstein, de Mary Shelley. Isso sem contar citações a Bhagavad-Guitá, influências musicais e detalhes que só um programador poderia compreender.

Obviamente, é difícil que alguém consiga captar tudo isso. Mas cada novo detalhe descoberto traz uma nova dimensão a um filme que sabe que está tratando de um assunto delicado e quer deixar bem claro que não o faz de modo leviano. Pelo contrário, há praticamente um rigor acadêmico e muita atenção aos detalhes.

Ex Machina conta a história do encontro entre Nathan (Oscar Isaac), Caleb (Domhnall Gleeson) e Ava (Alicia Vikander). O primeiro é um milionário excêntrico que construiu um império tecnológico ainda muito jovem e hoje vive isolado em uma casa parcialmente subterrânea, em uma localização maravilhosa. O segundo é um funcionário dele, um programador jovem e muito inteligente que acredita ter sido sorteado para passar uma semana vivendo ao lado do chefe. A terceira é o motivo desse encontro. Ela é uma inteligência artificial que está prestes a ser submetida ao Teste de Turing, que examina a capacidade de uma máquina em exibir comportamento inteligente equivalente a um ser humano. E Caleb será o responsável pelas entrevistas, fascinando-se por Ava ao mesmo tempo em que começa a questionar os reais objetivos de Nathan.

Por mais que o tema da inteligência artificial não seja exatamente uma novidade (e nem o tipo de enfoque que é dado aqui), Ex Machina consegue se distinguir pela forma como a história é construída. O expectador acompanha tudo pelos olhos de Caleb, que é um estranho na casa e não tem informações prévias sobre a relação entre os dois outros personagens. Ele vai reunindo informações sobre seus ‘companheiros’ aos poucos e, em mais de uma ocasião, chega a conclusões incompletas ou erradas.

Essa maneira simples e esperta de direcionar o público faz com que o expectador não se sinta manipulado nem subestimado, uma vez que o incentiva a tentar fazer suas próprias descobertas antes do protagonista. Para completar, as reviravoltas fazem com que se torne praticamente impossível apontar se um caminho ou raciocínio permanecerá correto até o final. Ava é uma personagem incrível não somente por sua natureza e pelas diferentes possibilidades intrínsecas a ela, mas por aquilo que simplesmente ainda não descobrimos.

Ex Machina não é uma daquelas ficções científicas que aposta fortemente nos efeitos visuais (e isso que o filme ganhou o Oscar nessa categoria!). A produção prefere contar, da melhor maneira possível, uma história planejada com cuidado para ser intrigante e desafiadora. Ao conseguir cumprir esse objetivo, o filme já é melhor que a maior parte das produções com que cruzo por aí.

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